Âmbito de cabimento dos embargos de divergência no STJ
Por José Rogério Cruz e Tucci
Em países federados, como o Brasil, os tribunais de
superposição detêm a precípua função de unificar a interpretação e a aplicação
do direito objetivo.
Apontando esta importante atribuição, afirmou o ministro
Humberto Gomes de Barros que: “O STJ foi concebido para um escopo especial:
orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o
Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada,
para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao STF, de
quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém
sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa
jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um
desserviço a nossas instituições. Se nós — os integrantes da corte — não
observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que
os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo
isso, perde sentido a existência da corte. Melhor será extingui-la” (AgrReg.
nos EmbDiv. no REsp. n. 228.432-RS, Corte Especial)
Em nossa legislação, dentre os mecanismos processuais de
uniformização da jurisprudência, destacam-se os embargos de divergência, que
constituem um meio de impugnar acórdão proferido, no âmbito de recurso
extraordinário ou especial, por uma das turmas, respectivamente, do STF ou do
STJ.
Enfatizava, ainda, de forma precisa, o ministro Humberto
Gomes de Barros, ao relatar os Embargos de Divergência no Recurso Especial
222.524-MA, que: "Os embargos de divergência foram concebidos no escopo de
preservar — mais que o interesse tópico de cada um dos litigantes — a
necessidade de que o tribunal mantenha coerência entre seus julgados".
Se os órgãos fracionários destes tribunais superiores dissentirem
sobre questões de direito federal, a missão constitucional que lhes foi
confiada não estará sendo cumprida. Assim, exatamente para reforçar a
previsibilidade e harmonia dos julgamentos e, até mesmo, a segurança jurídica,
é que os embargos de divergência se tornam um importante instrumento para
resolver as inexoráveis divergências intra muros, ou seja, nos quadrantes
das respectivas cortes de justiça.
Como bem pondera José Carlos Barbosa Moreira (Comentários
ao Código de Processo Civil, vol. 5, 15ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009,
pág. 641), “os embargos de divergência visam afastar interpretação divergente
do sentido das normas positivas, em tese, nos órgãos do STF e do STJ. Essa é a
razão maior da sua existência em nosso sistema processual”.
Os embargos de divergência são interponíveis apenas no
âmbito do STF e do STJ, a teor do disposto no artigo 496, VIII, do Código de
Processo Civil: “São cabíveis os seguintes recursos: ... VIII - embargos de
divergência em recurso especial e em recurso extraordinário".
Acrescente-se que, no STJ, em consonância com a regra do
artigo 546, I, do mesmo diploma legal, somente é admissível a interposição de
embargos de divergência quando um acórdão, proferido por uma das turmas, “em
recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão
especial”.
Reiterando esta norma processual, dispõe o artigo 266 do
Regimento Interno do STJ, que: “Das decisões da Turma, em recurso especial,
poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão
julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de
decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas,
ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, competirá a esta o
julgamento dos embargos”.
Conclui-se, portanto, que os embargos de divergência têm
cabimento restrito à hipótese de dissenso entre órgãos colegiados, verificado
exclusivamente nos domínios do recurso especial.
Por força da nova redação do artigo 557 do CPC, que
atribuiu ao relator a faculdade de julgar monocraticamente recurso especial,
foi editado o enunciado da Súmula 315 do STJ, com a seguinte redação: “Não
cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite
recurso especial”.
Importa esclarecer que, de forma coerente, o próprio STJ
abre exceção a este regramento pretoriano, na subsequente Súmula 316 (“Cabem
embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide
recurso especial”), uma vez que, nesta hipótese, do ponto de vista substancial,
o julgado em tudo se assemelha ao acórdão proferido em recurso especial.
Aduza-se que a Corte Especial do STJ, ao analisar a
indigitada Súmula 316, não conheceu do recurso, no julgamento dos Embargos de
Divergência em Agravo 1.186.352-DF, de relatoria do ministro Cesar Asfor Rocha,
ao assentar, in verbis: “São cabíveis embargos de divergência, ainda,
diante da exceção criada pela jurisprudência da Corte, nas hipóteses em que se
conhece do agravo de instrumento previsto no art. 544, caput, do Código de
Processo Civil, para dar provimento ao recurso especial na forma do § 3º do
mesmo dispositivo. É que, nesse caso, embora dispensada a reautuação do feito,
o próprio recurso especial terá sido julgado. Inadmitido o recurso especial na
origem e desprovidos o agravo de instrumento (atual agravo em REsp) e o
respectivo agravo regimental nesta Corte, mesmo que adotada fundamentação que
passe pelo exame do mérito do apelo extremo, descabe a interposição de embargos
de divergência, incidindo a vedação contida no enunciado n. 315 da
Súmula/STJ...”.
A Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimental nos
Embargos de Divergência em Agravo 1.253.341-BA, relatado pelo ministro João
Otávio Noronha decidiu, ainda, que: “São incabíveis embargos de divergência
contra acórdão proferido em sede de agravo regimental que impugna agravo de
instrumento que, por não ter ultrapassado o juízo de admissibilidade, não
apreciou o mérito do recurso especial”.
Nesse exato sentido, enfrentando questão em tudo análoga,
a mesma Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimental na Petição 3.934-MG,
relatado pelo ministro Ari Pargendler, teve oportunidade de patentear que: “Em
se tratando de julgamento ocorrido no âmbito do agravo de instrumento, os
embargos de divergência só podem ser admitidos se o acórdão, proferido em
agravo regimental, mantendo ou reformando decisão do relator, conheceu do
recurso especial e lhe deu provimento”.
Colaciono ainda exegético pronunciamento da 1ª Seção do
Superior Tribunal de Justiça, já agora no Agravo Regimental nos Embargos de
Divergência em Agravo em Recurso Especial 232.083-PR, de relatoria do ministro
Humberto Martins, que, também examinando tal tema, assentou o seguinte: “Aplica-se
ao caso dos autos a Súmula 315/STJ, que assim dispõe: ‘Não cabem embargos de
divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso
especial’. Isso porque a inteligência dos artigos 546 do CPC e 266 do RISTJ,
bem como da Súmula 315/STJ, somente excepciona o conhecimento dos embargos de
divergência quando o relator conhecer do agravo para provimento ao próprio
recurso especial, aplicando o disposto no art. 544, § 3º, do CPC...”.
Permito-me concluir, à luz deste uníssono entendimento
pretoriano, que se faz de todo
inadequado o manejo de embargos de divergência contra acórdão proferido em
agravo regimental em agravo, quando resulta indeferido o trânsito do recurso
especial.
José Rogério Cruz
e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo
e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2014
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