terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O uso da ação coletiva na tutela de direitos individuais

Por Aldo de Campos Costa (Conjur)

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente atribuíram à família, ao Estado e à sociedade o dever de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Ante essa multiplicidade de sujeitos envolvidos na defesa desses direitos, discorra sobre a atuação do Ministério Público na defesa de interesse individual indisponível de uma única criança ou adolescente (Prova discursiva do concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva no cargo de promotor de Justiça do estado do Espírito Santo).
O legislador ordinário previu expressamente a legitimação do Ministério Público para promover, em juízo, a tutela coletiva de interesses e direitos individuais disponíveis e homogêneos, vale dizer, os comuns ou afins de que trata o artigo 46, incisos II e IV, do Código de Processo Civil (“Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito ou ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito”), nas seguintes hipóteses: a) proteção e defesa do consumidor, nos termos do artigo 82 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor); b) danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários e aos investidores do mercado, nos termos do artigo 1º da Lei 7.913/1989; c)prejuízos causados aos credores por ex-administradores de instituições financeiras em liquidação ou falência, nos termos do artigo 46, parágrafo único, da Lei nº 6.024/1974. Os artigos 201, inciso V, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e 74, inciso I, da Lei 10.741/2001 (Estatuto do Idoso) atribuem, igualmente, competência ao Ministério Público para instaurar o inquérito civil e a ação civil pública, mas visando a proteção de interesses e direitos individuais indisponíveis e individuais homogêneos da infância e da juventude e do idoso.
Não é pacífica a orientação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos limites da legitimação do Ministério Público para promover a tutela coletiva de outros interesses e direitos individuais homogêneos, que não nas hipóteses acima referidas[1]. Podem-se identificar pelo menos três orientações distintas: 1ª) a expressão “outros interesses difusos e coletivos”, prevista na parte final do artigo 129, inciso III, da Constituição da República credencia o Ministério Público para agir na defesa coletiva de qualquer grupo lesado em seus direitos homogêneos (STF RE 163.231) [2]; 2ª) a expressão “outros interesses difusos e coletivos” é indefinida e, assim, depende de lei que venha a definir o seu alcance, dentro dos limites traçados pelo texto constitucional (STF RE 195.056)[3]; 3ª) a legitimidade do Ministério Público para tutelar coletivamente em juízo “outros interesses difusos e coletivos” há de partir de identificação do seu assentamento na parte final do artigo 127 da Carta Maior (“incumbindo-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis”) e na sua correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República (STF RE 213.631)[4].
O fato é que, em se tratando de ação coletiva que vise resguardar pessoa individualmente considerada, a legitimidade ativa do Ministério Público, de início, só deveria ser afirmada se a espécie versasse a tutela dos interesses e direitos individuais indisponíveis a que se referem os artigos 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 74, inciso I, do Estatuto do Idoso, os quais não devem ser confundidos com aqueles relativos a interesses e direitos individuais homogêneos (STJ REsp 933.974). É por serem indisponíveis (e não por serem homogêneos), que tais interesses individuais podem ser tutelados pelo Ministério Público (STJ EREsp 466.861). Isso se dá porque, diferentemente da homogeneidade, a indisponibilidade está relacionada com o objeto material e não com os sujeitos da relação jurídica envolvida, muito embora a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, também diga respeito ao conteúdo do interesse ou do direito em questão. A discussão, ressalte-se, não alcança a possibilidade de o referido Órgão vir a propor a respectiva ação individual, ante o disposto no supra mencionado artigo 127 da Constituição da República.
A jurisprudência, contudo, destoa dessa perspectiva, ao admitir o uso do processo coletivo, pelo Ministério Público, na defesa de interesses e direitos individuais indisponíveis para além dos dois únicos casos em que a legislação o autoriza a atuar como substituto processual - os alusivos à proteção da infância e da juventude e do idoso -, desde que demonstrada a presença de “interesse social relevante” (STJ REsp 946.533). Nesse sentido, tem se afirmado a legitimidade de o Ministério Público propor o inquérito civil e a ação civil pública para garantir o fornecimento de prótese auditiva a portador de deficiência (STJ REsp 931.513); medicamento a pessoa que não tem condições financeiras de arcar com o tratamento médico (STJ AgR-REsp 1.297.893); avaliação de tratamento médico a pessoa portadora de varizes nos membros inferiores com insuficiência venosa bilateral (STJ REsp 817.710), entre outras hipóteses.

[1] Cf. ZAVASCKI, Teori. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pp. 180-181.
[2] Votos dos ministros Maurício Corrêa e Marco Aurélio.
[3] Voto do ministro Moreira Alves.
[4] Voto do ministro Sepúlveda Pertence.

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