quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Palestra na EMERJ sobre a uniformização da jurisprudência nos Juizados Especiais

A UNIFORMIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS E TURMAS RECURSAIS - 13 de agosto de 2014

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
Fórum Permanente de Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Abertura
Ana Maria Pereira de Oliveira

Palestrante
Felippe Borring Rocha

Debatedores
Paulo Mello Feijo
Antonio Aurélio Abi Ramia Duarte

Prof. FELIPPE BORRING ROCHA
Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Doutorando em Direito. Professor de Direito Processual Civil da UFRJ. Professor dos cursos de graduação, pós-graduação e preparatórios para concursos públicos. Articulista, palestrante e autor, dentre outros, dos livros Teoria Geral dos Recursos Cíveis, Manual dos Juizados Especiais Cíveis: Estaduais, Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais e Federais. Membro do IAB, do IBDP e dos Conselhos Editoriais da Revista de Direito da DPGE/RJ e da Lumen Juris.

1. INTRODUÇÃO: DUAS PREMISSAS NECESSÁRIAS
                a) Estabelecer a relação entre os Juizados Especiais e a busca pelo acesso à Justiça (Mauro Cappelletti);
                b) Defender a interpretação integrativa entre as normas sobre Juizados Especiais (diálogo das fontes)

1.1. O Acesso à Justiça e os Juizados Especiais
                a) Juizados Especiais e as Ondas Renovatórias do acesso à Justiça (Mauro Cappelletti);
                b) Terceira Onda Renovatória: busca da efetividade (instrumentalidade do processo);
                c) Procedimentos e órgãos voltados a permitir à população acesso fácil, gratuito e informal à Justiça, focado na conciliação;
                d) Tratamento específico para as causas de menor complexidade e pequenas causas: absorção das demandas reprimidas e controle das causas “menores”, para evitar uma progressão social dos conflitos de interesse (The Broken Window Theory – James Wilson/George Kelling).

1.2. O Sistema dos Juizados
a) Introdução
                A primeira referência ao termo “Sistema dos Juizados Especiais”, ainda na vigência da Lei 7.244/84, foi, provavelmente, do Prof. Rogério Lauria Tucci (Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas: Anotações à Lei nº 7.244 de 7/11/1984, SP: Saraiva, 1985, p. 23).
                A primeira referência legislativa ao termo “Sistema”, no entanto, foi feita apenas na Lei nº 9.099/95:
                “Art. 93. Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência”
                Não obstante, apesar da expressão “Sistema” ter assento legal, o debate em torno do seu conteúdo sempre passou ao largo dessa circunstância. De fato, somente com a inclusão do termo “Sistema dos Juizados Especiais” no art. 1.º da Lei nº 12.153/09, que trata dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, é que a questão passou a ter relevo na chamada “ordem legal”.
                “Art. 1º.  Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.
                Parágrafo único.  O Sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.
                Assim, (res)surgiu o debate nos meios jurídicos sobre qual seria o papel  da expressão “Sistema dos Juizados Especiais” em nosso ordenamento jurídico. Mas ainda, indaga-se se esta expressão seria capaz de mudar, no plano teórico e no plano prático, a realidade hoje vivenciada. E, finalmente, pergunta-se se esta (re)inclusão é positiva ou negativa.
b) Os possíveis significados do termo “Sistema dos Juizados Especiais”.
De maneira simplista, é possível agrupar em três segmentos as visões sobre o tema:
I – “Microssistema”;
II –“Estrutura Judicial-Administrativa”;
III –“Estatuto”.

I – O “Microssistema”
Multiplicidade de significados utilizados atribuídos à expressão “microssistema”;
Conteúdo específico neste estudo: “Microssistema” com o sentido de sistema autônomo, separado da estrutura judiciária “ordinária”;
Consequências: as decisões proferidas pelos Juizados Especiais não estariam sujeitas a qualquer tipo de recurso ou impugnação para outros órgãos. Os Juizados Especiais seriam, por assim dizer, autossuficientes, podendo aplicar o direito da maneira que entendessem, no âmbito de sua competência;
Críticas à teoria do microssistema: Limitação irrazoável do acesso à Justiça e do acesso aos Tribunais; quebra da isonomia jurídica (formação de entendimentos diferentes dentro dos órgãos dos Juizados e, por vezes, contrários aos entendimentos sedimentados nos tribunais superiores); violação da unidade do Poder Judiciário (criação de entendimentos regionalizados);
Teoria do Microssitema já foi refutada pela doutrina (Alexandre Câmara, Leonardo Greco, J. S. Fagundes Cunha etc), pela legislação (pedido de uniformização ao STJ e de REXT ao STF no Juizados Especiais Federais e Fazendários), e pela jurisprudência (afirmando o cabimento do REXT, do agravo nos autos e da reclamação constitucional para o STJ).

II – A “Estrutura Judicial-Administrativa”
Significado: a expressão “Sistema” representaria a determinação legal para que os tribunais promovessem a construção de uma organização judicial-administrativa própria para os Juizados Especiais; existência de um “Sistema” estadual e outro federal, estanques entre si;
Consequência: busca administrativa por um funcionamento coordenado e simétrico entre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em primeiro e segundo graus; uniformização dos entendimentos, dos procedimentos, da atuação dos servidores etc.
Críticas à teoria da estrutura administrativa: pouca relevância teórica (conceito administrativo e não jurídico); não contribui para resolver os problemas práticos dos Juizados Especiais; divisão entre modelos federais e estaduais.

III – “Estatuto dos Juizados”
Esta teoria defende o diálogo constante entre os diplomas legais (Leis n.° 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09), que formariam assim o “estatuto” dos Juizados Especiais (tal como ocorre na integração entre a Lei da Ação Civil Pública e o CDC – Estatuto das Ações Coletivas);
No modelo tradicional de interpretação, a integração entre os modelos de Juizados se limita aos casos lacunosos e às remissões expressas na lei. Esta parece ser, claramente, a opção do legislador, que estabeleceu em diferentes passagens a aplicação subsidiárias e pontual das normas relativas aos integrantes do sistema: arts. 1° e 20 da Lei dos JEF e arts. 15, 26 e 27 da Lei dos JEFP.
Com a teoria do estatuto, seria possível superar a visão clássica da hermenêutica jurídica, promovendo uma interpretação legal sistemática (entre as Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09) e focada na efetividade dos institutos, à luz das normas constitucionais;
A representação gráfica das formas de interpretação das normas dos Juizados Especiais seria a seguinte:
Os críticos da teoria do estatuto afirmam que tal entendimento: não encontra respaldo legal nas normas regentes dos Juizados Especiais; contraria a visão prevalente sobre a hermenêutica jurídica vigente em nosso país (positivismo jurídico); cria insegurança jurídica ao permitir a “flexibilização” das normas;
Na verdade, para a aplicação da teoria do Estatuto é necessária a adoção de uma interpretação constitucional das normas, através de critérios objetivos e voltados para efetivar os princípios e garantias fundamentais. Portanto, se a flexibilização existe, ela tem índole constitucional. Além disso, mesmo a visão positivista tem levado a flexibilizações, muitas vezes sem qualquer técnica ou compromisso constitucional;
Destarte, conforme demonstrado, apesar da pouca aceitação, a melhor acepção para a expressão “Sistema dos Juizados” seria como sinônimo de “Estatuto dos Juizados”, na esteira do que existe de mais moderno em matéria hermenêutica jurídica, absorvendo os ideais de primazia das normas constitucionais, na busca da integração dos modelos de Juizados Especiais;
Tal percepção seria capaz de promover avanços tanto teóricos como práticos ao Juizados Especiais, na medida em que serviria não apenas como uma nova metodologia interpretativa, mas também como instrumento de uniformização dos procedimentos previstos nas leis que integram o Sistema;
É preciso ressaltar ainda que a previsão de um “Sistema” representa um avanço significativo no reconhecimento da importância e da peculiaridade dos Juizados Especiais, para adoção de uma metodologia mais racional e coerente de funcionamento. De fato, não se pode conceber a coexistência de modelos análogos de Juizados Especiais, no mesmo segmento judiciário, com filosofias diferentes e sem sintonia.

3. O QUADRO ATUAL DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS JUIZADOS ESPECIAIS
3.1. As características fundamentais do Sistema do Juizados Especiais o faz refratário ao controle das decisões judicias:
a) Possibilidade de exercício da capacidade postulatória direta por partes leigas;
b) Limitações à recorribilidade das decisões interlocutórias;
c) Limitações instrumentais e econômicas ao recurso inominado;
d) Limitações instrumentais às ações impugnativas clássicas (mandado de segurança, ação rescisória etc);
e) Limitações ao controle interno e externo das decisões judicias de 2º grau (Embargos Infringentes, Agravo Interno, RESP, REXT etc).

3.2. Formação de entendimentos “individualizados” nos Juizados Especiais, não raras vezes dissociado do entendimento prevalente em outros Juizados e mesmo dentro daquela unidade federativa;
3.3. Formação de entendimentos regionalizados nos Juizados Especiais em cada unidade federativa e não raras vezes distante das posições consagradas nos tribunais inferiores e superiores, inclusive do tribunal ao qual está vinculado;
3.4. Necessidade da formação de um jurisprudência coesa, integrada, estável e previsível, como corolários das garantias fundamentais nos Juizados Especiais.
Obs.: A realização de encontros (regionais e nacionais) e a edição de enunciados tem sido uma importante ferramenta na busca da uniformização da jurisprudência.

4. UM PALIATIVO: A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS TURMAS RECURSAIS
                Em 2009, o STF determinou que, enquanto não fosse criado pedido de uniformização para os Juizados Especiais Estaduais, que o STJ aceitasse reclamação constitucional da decisão colegiada proferida pelas Turmas Recursais conflitantes com a jurisprudência consolidada sobre a interpretação da lei federal envolvida;
                Obs.: Há quem defenda que a reclamação constitucional seria um recurso. A posição majoritária, entretanto, na jurisprudência (STF – Pleno – ADI 2.212/CE – Rel. Min. Ellen Gracie, p. no DJ de 14/11/2003) e doutrina (André Ramos Tavares), é que a reclamação constitucional, inserida no âmbito do direito de petição (art. 5º, XXXIV, "a", da CF), retrata verdadeira ação autônoma de impugnação.
                A reclamação constitucional contra decisão de Turma Recursal Estadual foi regulada, no STJ, pela Resolução n.º 12/09. Nela, ficou expresso que a reclamação seria cabível para dirimir divergência sobre direito material entre acórdão prolatado por Turma Recursal estadual e a jurisprudência do STJ, consagradas em suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais repetitivos (art. 543-C do CPC).
                A reclamação deve ser oferecida no prazo de 15 dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo (art. 1º). O “réu” da reclamação é a Turma Recursal prolatora da decisão, mas é comum se colocar também a parte adversa da demanda originária em seu polo passivo;
                Por certo, não cabe reclamação em face de decisão monocrática do relator ou de decisão transitada em julgado. Mas, uma vez impetrada a reclamação dentro do prazo, ela tem efeitos rescisórios em relação à decisão reclamada que venha a transitar em julgado. O procedimento da reclamação constitucional é regulado pela Resolução n.º 12/09;
                De acordo com a Resolução, tão logo seja recebida pela Seção correspondente, a reclamação será distribuída a um relator, que poderá, de ofício ou a requerimento da parte, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça de cada estado e do DF, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão (art. 2º, I);
                É bastante questionável que uma resolução possa atribuir eficácia erga omnes a uma decisão suspensiva monocrática, dentro de uma reclamação. Ainda assim, o dispositivo vem sendo utilizado. Um dos primeiro precedentes nesse sentido foi proferido na 1.ª Seção, na Rcl 3.983/MS, cuja relatoria coube ao Min. Herman Benjamin (decisão de 12/04/10);
                O relator poderá, ainda, oficiar ao juízo originário solicitando informações (art. 2º, II), determinar a publicação de edital dando ciência aos interessados sobre a reclamação (art. 2º, III) e abrir vistas ao Ministério Público (art. 3º) ou de eventuais terceiros interessados (art. 4º). Essas decisões proferidas pelo relator são irrecorríveis (art. 6º).
                Em seguida, a reclamação deverá ser colocada em pauta para julgamento, onde as partes, o representante do MP e os terceiros interessados poderão produzir sustentação oral (art. 4º, par. único). O acórdão do julgamento da reclamação conterá súmula e seu conteúdo será enviado aos presidentes e corregedores dos TJs, bem como ao presidente da turma recursal reclamada (art. 5º).

5. PROPOSTAS PARA APRIMORAR A UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
5.1. A aplicação do pedido de uniformização nos Juizados Especiais
Diante da falta do recurso especial, tornou-se necessária a criação de um mecanismo próprio de controle da lei federal nos Juizados. Esse mecanismo foi inserido nas Leis dos Juizados Federais (art. 14) e Fazendários (arts. 18 a 20). No entanto, ainda não foi replicado na Lei n.º 9.099/95;
Existe um projeto de lei (PLC 16/07) voltado para inserir o pedido de uniformização na Lei n.º 9.099/95. Enquanto esse projeto não é aprovado, mediante a técnica do diálogo das fontes, com vistas ao acesso à Justiça, seria possível aplicar nos Juizados Estaduais as regras sobre o pedido de uniformização previstas nas Leis dos Juizados Federais e Fazendários.

5.2. Ampliação da participação dos segmentos jurídicos e acadêmicos na edição dos enunciados;
5.3. Constante edição, atualização e revisão dos enunciados;
5.4. Filmagem das audiências dos Juizados;
5.5. Cabimento restrito do agravo de instrumento.
FIM DA
APRESENTAÇÃO 
Prof. Felippe Borring Rocha
Prof. Felippe Borring Rocha
E-mail: fborring@gmail.com
Twitter: @felippeborring
Blog: Processo Civil em Movimento


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