quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Artigo Qual é o propósito do pedido de esclarecimentos ou ajustes do pronunciamento saneador, previsto no artigo 357, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil Brasileiro?

 

Qual é o propósito do pedido de esclarecimentos ou ajustes do pronunciamento saneador, previsto no artigo 357, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil Brasileiro?

 

Felippe Borring Rocha[1]

Bárbara Fonseca de Moura[2]

 

Resumo: O objetivo do presente texto é identificar as principais características do pedido de esclarecimentos ou ajustes do pronunciamento saneador, previsto no artigo 357, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil brasileiro, e, diante do seu ineditismo e reduzida regulamentação, apresentar algumas propostas para permitir seu adequado funcionamento, com foco na segurança jurídica e na efetividade da tutela dos direitos.

 

Palavras-chaves: Direito. Processo civil. Pronunciamento saneador. Pedido de esclarecimento ou ajustes. Código de processo civil.

 

Sumário: 1. Introdução. 2. As informações básicas sobre o PEAS presentes no CPC/2015. 3. As principais questões a serem enfrentada sobre o PEAS. 3.1. A natureza jurídica do PEAS. 3.2. Os objetivos do PEAS. 3.3. A decisão sujeita ao PEAS. 3.4. O juízo competente para a apresentação do PEAS. 3.5. Os legitimados para apresentar o PEAS. 3.6. A irrecorribilidade imediata da decisão contida no pronunciamento saneador. 3.7. A estabilização do pronunciamento saneador. 3.7. Os efeitos decorrentes da interposição do PEAS. 3.8.1. Efeito interruptivo. 3.8.2. Efeito devolutivo. 3.8.3. Efeito suspensivo. 3.9. A fungibilidade entre os embargos de declaração e o PEAS. 3.10. A oitiva da parte contrária antes do julgamento do PEAS. 3.11. O julgamento do PEAS. 4. Considerações finais. 5. Referências.

 

What’s the purpose of the request for clarification or settlements of the pre-trial procedure, provided for in article 357, first paragraph, of the Brazilian Code of Civil Procedure?

 

Abstract: The purpose of this text is to identify the main characteristics of the request for clarification or settlements of the pre-trial procedure provided for in article 357, first paragraph, of the Brazilian Code of Civil Procedure, and, given its novelty and limited regulation, to enable it to function properly, focusing on the legal certainty and the effectiveness to legal remedies.

 

Keywords: Law. Civil procedure. Pre-trial procedure. Request for clarification or settlements. Code of civil procedure.

 

1. Introdução

Com a edição do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), foi inaugurada uma nova era no direito processual civil brasileiro, marcada pela reestruturação dos institutos processuais já existentes e pela inclusão de algumas figuras novas, tais como o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137), a audiência preliminar de conciliação ou mediação (art. 334) e o incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987). Neste universo de novidades, merece destaque um instituto de inédita previsão no ordenamento processual civil brasileiro, que foi incluído no projeto que deu origem ao Novo CPC pela Câmara dos Deputados, durante a revisão legislativa do texto originalmente aprovado pelo Senado:[3] o pedido de esclarecimentos e ajustes do pronunciamento saneador[4] (PEAS), regulado no art. 357, § 1º, do CPC/2015. In verbis:

 

Art. 357.  Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

(...)

§ 1º. Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.

 

De plano, través de uma rápida leitura do conteúdo do dispositivo, fica claro que o legislador não se preocupou em fornecer informações detalhadas sobre o PEAS. Não obstante, ao contrário de outras inovações que foram pouco regulamentadas pelo Código, como os negócios jurídicos processuais (art. 190), o PEAS não tem despertado maior interesse nos meios jurídicos, abrindo caminho para o surgimento de inúmeras dúvidas sobre o seu funcionamento.

Por certo, é natural que os novos institutos previstos na legislação processual exijam um tempo significativo de maturação científica, permeado pelo debate acadêmico e pela prática forense, até que possam exercer com segurança e eficiência os papéis para os quais foram pensados ou para os quais têm aptidão jurídica para cumprir. Ainda assim, passados três anos da entrada em vigor do CPC/2015, o PEAS permanece com a sua atuação comprometida pela falta de uma maior e mais detalhada reflexão sobre seu regulamento, bem como pela presença de orientações pontuais e coflituosas na doutrina e nas decisões judiciais.

Por isso, o objetivo do presente texto é identificar as principais características do PEAS e, analisando as mais debatidas questões sobre o tema, apresentar uma linha argumentativa coerente e coesa sobre como deveria ser o seu funcionamento, com vistas à promoção da segurança jurídica e da efetiva tutela dos direitos deduzidos em juízo.

 

2. As informações básicas sobre o PEAS presentes no CPC/2015

Analisando o texto do art. 357, § 1º, do CPC/2015, é possível extrair cinco informações básicas sobre o do PEAS. São elas:

a) O PEAS é cabível em face do pronunciamento saneador do processo;

b) São as partes que têm legitimidade para apresentar o PEAS;

c) O PEAS pode servir para solicitar esclarecimentos ou ajustes;

d) O prazo de 5 dias para interposição do PEAS é comum para ambas as partes;

e) Se o PEAS não for apresentado, o pronunciamento saneador se torna “estável”.

Por certo, como dito, essas informações não são suficientes para permitir o adequado funcionamento do PEAS, levando em consideração a extensa margem para diferentes interpretações deixada pelo legislador. Assim, elaboramos uma lista das questões que, na nossa visão, merecem ser enfrentadas de forma mais minuciosa, bem como as nossas opiniões sobre cada uma delas.

 

3. As principais questões a serem enfrentada sobre o PEAS

3.1. A natureza jurídica do PEAS

O nosso ponto de partida para a análise do PEAS é a busca pela definição de sua natureza jurídica. Trata-se de um passo importante, na medida em que tal conceito permite estabelecer o regime jurídico aplicável ao instituto. Não obstante, é preciso reconhecer que a doutrina pátria, na maioria absoluta das vezes, não se animou a enfrentar a questão, ao menos de forma explícita. De fato, parcela significativa dos estudiosos se limita a afirmar que o PEAS não se confunde com um recurso e, mais especialmente, com uma modalidade especial de embargos de declaração. Neste sentido, vejam-se as seguintes manifestações:

a) Alexandre Freitas Câmara:[5]

“Não se trata, aqui, de admitir a oposição de embargos de declaração (art. 1.022), mas de permitir a apresentação de uma simples petição em que as partes poderão requerer ao juiz que esclareça melhor algum ponto desta decisão de organização do processo ou que nela faça algum ajuste”

 

b) Cassio Scarpinella Bueno:[6]

“Não se cuida, a despeito da coincidência do prazo, de embargos de declaração (art. 1.022, caput). Trata-se, bem diferentemente, de pedido que as partes – e eventuais terceiros que tenham sido admitidos no processo, não há por que se esquecer deles – formularão ao magistrado para esclarecer ou ajustar a decisão que declara saneado o processo e que, nos termos do caput do dispositivo, o ordena para ingresso na fase instrutória”

 

c) Haroldo Lourenço:[7]

“A solicitação das partes pode ser feita por petição simples, não se tratando de embargos de declaração, sendo, portanto, prescindíveis maiores formalidades. No mesmo sentido, o mencionado pedido não se confunde com pedido de aditamento da inicial (Enunciado 428 do FPPC)”[8]

 

d) Marcelo Abelha:[9]

“Como se vê, o legislador permitiu, de forma muito inteligente, o direito de esclarecimento sobre a decisão de saneamento, tudo para evitar que a decisão interlocutória de saneamento seja objeto de impugnação recursal, ou seja, previu o artigo 357 § 1º, o direito das partes de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes na decisão saneadora, dizendo que apenas após esse prazo é que ela se torna preclusa”

 

e) Daniel Amorim Assunção Neves:[10]

“A previsão é importante porque a decisão de saneamento e organização do processo não está prevista no art. 1.015 do Novo CPC como recorrível por agravo de instrumento, de forma que esse pedido de esclarecimento e ajustes será a única forma de as partes se insurgirem contra a decisão, indiscutivelmente de natureza interlocutória. A exceção fica por conta do capítulo referente à distribuição do ônus da prova (mas apenas nos casos em que haja a redistribuição do ônus da prova, nos termos do art. 373, §1°), recorrível por agravo de instrumento nos termos do inciso XI do art. 1.015 do Novo CPC”

 

f) Elpídio Donizetti:[11]

“Esse pedido não deve ser confundido com a interposição de embargos de declaração. A hipótese aqui aventada é mais ampla que a aludida modalidade recursal”

 

g) Fredie Didier Jr.:[12]

“A estabilidade da decisão de saneamento é fundamental para evitar retrocessos processuais. Por isso, o legislador autorizou que as partes solicitem ajustes ou esclarecimentos, em cinco dias. Isso pode ser feito por uma petição simples – não se trata de embargos de declaração, razão pela qual não se devem exigir maiores formalidade”

 

Antes de apresentarmos a nossa posição, no entanto, é preciso sublinhar que o objetivo PEAS seria, à luz do princípio da colaboração, promover um diálogo diferenciado (comparticipativo) entre as partes e o juízo sobre o pronunciamento saneador do processo, para torná-lo mais plural e efetivo.[13] Destarte, a criação de um novo instituto teria mirado substituir os mecanismos regulares de controle do pronunciamento saneador, notadamente os instrumentos de índole recursal, que têm uma imagem normalmente associada à litigiosidade, por algo novo e de coloração neutra.[14]

Desse modo, em nosso sentir, o PEAS, previsto no art. 357, § 1º, do CPC/2015, tem natureza jurídica de meio específico e típico de impugnação,[15] formador de um incidente processual endógeno (instalado dentro do procedimento), concebido, sob a ótica de um modelo comparticipativo de processo (art. 6º do CPC/2015), para promover esclarecimentos ou ajustes no pronunciamento saneador proferido pelo juízo por escrito.

A partir dessa concepção, como bem sublinhado pelos estudiosos citados, é preciso deixar claro que o PEAS não se confunde com um recurso. De fato, para ser considerado como um recurso, o PEAS teria que estar incluído no rol do art. 994 do CPC/2015 ou, ao menos, identificado no dispositivo legal como recurso, em razão do princípio da taxatividade recursal.[16] Embora possa parecer um formalismo, entendemos que a taxatividade recursal tem um papel fundamental no sistema processual brasileiro, na medida que confere segurança e previsibilidade aos modelos recursais.[17] Ademais, se o PEAS fosse um recurso, haveria uma clara sobreposição de funções com os embargos de declaração.

Por outro lado, o PEAS também não pode ser visto como um simples pedido de reconsideração.[18] O pedido reconsideração não demanda a existência de pontos de esclarecimento ou ajuste, pois representa um requerimento para que o magistrado reflita uma segunda vez sobre a decisão proferida, municiado ou não de novos argumentos. É preciso ponderar, ainda, que a identificação do PEAS como um pedido de reconsideração seria capaz de gerar insegurança jurídica, pois, sendo desprovido de efeito interruptivo, não obstaria os prazos eventualmente decorrentes do pronunciamento saneador.

 

3.2. Os objetivos do PEAS

O PEAS, como o próprio nome deixa claro, pode visar a obtenção de esclarecimentos ou de ajustes do pronunciamento saneador. Em primeiro lugar, importante frisar que esses termos – “esclarecimentos” e “ajustes” – não podem ser vistos como sinônimos ou como simples expressões de reforço recíproco.[19] De fato, “esclarecer” significa “tornar claro”, “compreensível”, “evidente”, ou seja, transmitir melhor o sentido de algo, ao passo que “ajustar” significa “corrigir”, “reparar”, “adequar”, isto é, modificar o sentido de algo. São, portanto, termos com objetivos diferentes.[20]

Diante da falta de um regulamento mais detalhado, entendemos que o pedido esclarecimento deve mirar uma omissão, obscuridade, contradição ou erro material no pronunciamento saneador, por interpretação analógica à hipótese de cabimento dos embargos de declaração, presentes no art. 1.022 do CPC/2015. Isso porque, como será visto mais à frente, entendemos que a previsão do cabimento do PEAS afasta, por completo, o cabimento dos embargos de declaração. Para que isto seja possível, é preciso que o PEAS tem, no mínimo, os meus objetivos dos embargos de declaração, para que possa substituí-lo eficazmente.

Por outro lado, em relação ao pedido de ajustes, defendemos que sua a meta é promover tanto a reforma,[21] no caso de um erro in judicando (erro na aplicação do direito material), como a invalidação, diante de um error in procedendo (erro na aplicação do direito processual), de algum ponto do pronunciamento saneador.[22] Com isso, a previsão do PEAS pode afastar o cabimento dos recursos de interposição imediata (agravo de instrumento e agravo interno), sem perda para a tutela do direito das partes e com a vantagem de ser julgado, rapidamente e sem custos, pelo próprio órgão prolator da decisão impugnada.

Nesse passo, é preciso sublinhar que o PEAS pode visar apenas esclarecer ou ajustar o pronunciamento saneador, bem como pode cumular tais funções, seja em relação a um mesmo ponto, seja em relação a diferentes pontos. A possibilidade de cumulação de objetivos do PEAS dependerá, exclusivamente, da presença ou não dos vícios supramencionados no pronunciamento judicial. Assim, apenas a título ilustrativo, basta pensar num pronunciamento saneador que indefere a redistribuição do ônus da prova, apesar da presença dos requisitos legais, e defere a produção de prova oral, sem especificar o tipo de prova oral deferida. Nesta hipótese, a decisão sobre a redistribuição do ônus da prova desafiará pedido de ajuste e a decisão sobre a prova oral, pedido de esclarecimentos.

 

3.3. A decisão sujeita ao PEAS

Em nossa visão, o PEAS é cabível exclusivamente em face do pronunciamento saneador do processo (art. 357 do CPC/2015), não apenas pela disposição literal do artigo, mas também pela insegurança jurídica que geraria a discussão sobre a utilização da medida em face de outras decisões. Assim, mesmo que uma decisão promova algum tipo de organização processual ou probatória (aspecto material), não desafiará o PEAS se não estiver rotulada como decisão de saneamento (aspecto formal) e tiver sido proferida após o encerramento da fase postulatória e antes do início da fase instrutória, nos termos do art. 357 do CPC/20158 (aspecto procedimental ou topográfico). Mesmo em procedimentos especiais, o PEAS somente será cabível se a fase de saneamento for derivada da aplicação subsidiária do rito comum.

Note-se que o CPC/2015 prevê, dentro da estrutura do rito comum, três formas de elaboração do saneamento:[23]

a) o saneamento por escrito, feito pelo magistrado, sem a participação direta das partes (art. 357, caput);

b) o saneamento consensual, feito pelas partes e homologado pelo juiz (art. 357, § 2º);

c) o saneamento comparticipativo, feito pelo magistrado em audiência, com a colaboração das partes, se a causa apresentar “complexidade em matéria de fato ou de direito” (art. 357, § 3º).

Na nossa opinião, apenas o saneamento feito pelo juiz fora de audiência, por escrito, se sujeita ao PEAS, uma vez que, em relação ao saneamento consensual, o art. 357, § 2º, do CPC/2015, afirma que, uma vez homologado pelo julgador, o ato de saneamento “vincula as partes e o juiz”. No que toca aos esclarecimentos e ajustes que se façam necessários, no caso de saneamento comparticipativo, estes devem ser feitos oral e imediatamente, em homenagem ao princípio da oralidade e em observância ao comando contido na parte final do art. 357, § 3º, do CPC/2015.[24] De fato, diz a parte final o art. 357, § 3º, do CPC/2015 que no saneamento comparticipativo as partes serão convidadas pelo juiz a integrar ou esclarecer as suas alegações em audiência.[25] De modo que após a audiência, o ato de saneamento restará precluso, inclusive em relação ao magistrado.

 

3.4. O juízo competente para a apresentação do PEAS

Tratando-se de meio impugnativo próprio, entendemos que o PEAS deva ser apresentado diretamente ao juízo que proferiu o pronunciamento saneador, ainda que o procedimento seja da competência originária dos tribunais.[26] Para tanto, basta que o procedimento em curso na instância superior esteja aplicando o rito comum e que o pronunciamento saneador seja proferido com base no art. 357 do CPC/2015.

 

3.5. Os legitimados para apresentar o PEAS

Muito embora o art. 357, § 1º, do CPC/2015 diga que são “as partes” que têm o direito de apresentar o PEAS, é preciso perquirir sobre o alcance de tal comando. Além das partes da demanda, seja autor ou réu, sustentamos que também os intervenientes especiais podem apresentar PEAS, tais como a Curadoria Especial (art. 72), o assistente (arts. 121 a 124 do CPC/2015), o denunciado (arts. 125 a 129 do CPC/2015), o chamado (arts. 130 a 132 do CPC/2015), o amicus curiae (art. 138 do CPC/2015),[27] o Ministério Público, quando atuando como fiscal da ordem jurídica (art. 178 do CPC/2015), e a Defensoria Pública, quando atuando como custus vunerabilis (art. 565 do CPC/2015).

 

3.6. A irrecorribilidade imediata da decisão contida no pronunciamento saneador

Tratando-se de procedimento tramitando na primeira instância, as decisões contidas no pronunciamento saneador desafiam, em tese, apelação (arts. 1.009 a 1014 do CPC/2015), agravo de instrumento (arts. 1.015 a 1.020 do CPC/2015) e embargos de declaração (art. 1.022 a 1.026 do CPC/2015). No caso de pronunciamento saneador exarado nas instâncias superiores, também de uma perspectiva hipotética, seriam cabíveis, além dos embargos de declaração, o agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015) e os recursos excepcionais (arts. 1.029 a 1.041 do CPC/2015).

Tanto na primeira instância, como nas instâncias superiores, a apelação e os recursos excepcionais somente podem atacar as decisões contidas no pronunciamento saneador de maneira diferida, após a prolação da decisão final (sentencial), que encerre o correspondente módulo cognitivo do procedimento (art. 1.009, § 1º, do CPC/2015 e arts. 102, III, e 105, III, da CF). Nos demais casos, sustentamos que a decisão contida no pronunciamento saneador, independentemente da instância que esteja sendo proferido, não desafia recurso de interposição imediata (agravo de instrumento, embargos de declaração ou agravo interno).[28] A razão da irrecorribilidade dessas decisões interlocutórias é que o pronunciamento saneador possui meio impugnativo próprio, o PEAS, com objetivos que, na nossa opinião, absorvem as finalidades dos recursos de interposição imediata. Neste sentido, veja-se a lição de Cassio Scarpinella Bueno:[29]

 

“Assim, mesmo que haja na decisão algum dos pressupostos autorizadores dos embargos de declaração, importa entender o pedido de esclarecimento do § 1.º do art. 357 como elemento cooperativo visando a uma prestação jurisdicional ótima, inclusive na perspectiva procedimental, e não como recurso. Até porque pode ocorrer, em sentido diametralmente oposto, que não haja, na decisão, nenhum autorizativo para os declaratórios e, mesmo assim, ela precisar ser esclarecida e/ou ajustada para tornar mais eficiente possível a fase instrutória do processo.

 

Destarte, se a parte não compreender ou não concordar com algum ponto do pronunciamento saneador, seja um despacho ou uma decisão interlocutória, a única forma que dispõe para se insurgir, num primeiro momento, é através do PEAS. Em outras palavras, se a parte ajuizar diretamente um agravo de instrumento, embargo de declaração ou agravo interno em face de decisão interlocutória contida no pronunciamento saneador, esse recurso deverá ser inadmitido, por falta de interesse recursal no plano da adequação. Essa conclusão decorre fundamentalmente da dicção legal do art. 357, § 1º, do CPC, que afirmar que a falta de interposição do PEAS faz com que o pronunciamento saneador se estabilize. É preciso alertar, no entanto, que essa estabilidade não alcança os fatos novos que surgirem ao longo do procedimento (art. 493 do CPC/2015), bem como as questões de ordem pública e as questões que não puderam ser impugnadas por legítimo impedimento da parte (art. 278 do CPC/2015).

Nem mesmo o recurso de embargos de declaração escapa dessa lógica, ainda que, por expressa disposição legal, ele possa ser interposto em face de “qualquer decisão judicial” (art. 1.022 do CPC/2015).[30] Isso porque, em razão do critério da especialidade, a previsão de um mecanismo próprio de esclarecimento da decisão judicial afasta o cabimento do recurso que, em última análise, visa exatamente obter o esclarecimento de uma decisão judicial.[31]

No caso específico do agravo de instrumento, cujo cabimento é objeto de inúmeras e complexas discussões, é preciso sublinhar que a recorribilidade em imediato do pronunciamento saneador não fica restrita ao pronunciamento judicial sobre a redistribuição do ônus da prova,[32] mas abarca também outras decisões interlocutórias, como, por exemplo, a que aprecia o pedido de antecipação da tutela, a alegação de convenção de arbitragem ou o requerimento de gratuidade de justiça (art. 1.015, I, III e V, do CPC/2015). Sem sombra de dúvida, no entanto, é a decisão sobre a redistribuição do ônus da prova a mais destacada, pois expressamente mencionada dentre as atividades de saneamento (art. 357, III, do CPC/2015).[33] De qualquer forma, se uma decisão interlocutória prevista no pronunciamento saneador causar grave e imediato dano para a parte interessada, ela pode pedir a concessão do efeito suspensivo ao PEAS[34] e, em casos absolutamente excepcionais, ajuizar diretamente o agravo de instrumento ou agravo interno, justificando porque não poderia aguardar o julgamento do PEAS.

Note-se que, na nossa visão, a possibilidade de interposição simultânea de PEAS e de recurso em face da decisão contida no pronunciamento saneador seria capaz de provocar insegurança jurídica, em razão da sobreposição destes meios impugnativos. Ademais, se isso fosse possível, teoricamente, o interessado teria que interpor o recurso antes do prazo de 5 dias, previsto para a interposição do PEAS, para evitar a estabilização mencionada no art. 357, § 1º, do CPC/2015. No caso de embargos de declaração, cujo prazo é também de 5 dias (art. 1.023 do CPC/2015), isso não representaria um obstáculo. Mas em se tratando de agravo de instrumento ou agravo interno, cujo prazo de interposição é de 15 dias (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015), a incompatibilidade seria evidente.

Apesar dessas ponderações, tem prevalecido, ao menos da jurisprudência dos tribunais inferiores, o entendimento de que as decisões interlocutórias contidas no pronunciamento saneador desafiariam, simultaneamente, tanto PEAS como recurso de interposição imediata, cada um dentro do seu prazo próprio, sem interrupção de um em relação ao outro. Essa posição será melhor explanada no próximo item do texto.

Por outro lado, alguns estudiosos sustentam uma posição intermediária. Dentro dessa linha de pensamento, só caberia PEAS em face dos despachos que, inseridos no corpo do pronunciamento saneador, não desafiasse recurso. Neste sentido, diz Haroldo Lourenço:[35]

 

“Cumpre registrar que somente haverá estabilização sobre as questões probatórias, ou seja, delimitação dos fatos probandos, ordem de produção, marcação de audiência etc., não sobre temas que podem ser objeto de agravo de instrumento (art. 1.015) ou de apelação (art. 1.009, § 1º), como será mais bem analisado adiante, tampouco sobre questões supervenientes (art. 493). Por esse motivo, se na decisão de saneamento e organização do processo houver capítulo em que se redistribua o ônus da prova (art. 373, § 1º), caberá agravo de instrumento”

 

Essa construção, embora seja melhor que simplesmente admitir, sem qualquer restrição, o cabimento de recurso e de PEAS em face das decisões contidas no pronunciamento saneador, não se coaduna com a previsão legal expressa no art. 357, § 1º, do CPC/2015. De fato, quando o legislador imaginou o PEAS, ela sabia, de antemão, que o pronunciamento saneador apresentaria em seu corpo decisões recorríveis. Logo, criar uma diferenciação que não consta do texto, direcionando o PEAS exclusivamente para os despachos, não parece ser a melhor forma de lidar com o instituto.

Note-se, ainda, que, na maioria das vezes não são os despachos que demandam esclarecimentos e ajustes, mas as decisões interlocutórias. Ademais, é no mínimo questionável falar em estabilidade de despachos, que, por sua própria natureza podem ser revistos a qualquer tempo. Por isso, torna-se difícil conjugar o entendimento em tela com o comando expresso na parte final do art. 357, § 1º, do CPC/2015. De modo que, se a ideia fosse direcionar o PEAS exclusivamente para os despachos, melhor seria não ter previsto impugnação alguma, porque os embargos de declaração seriam suficientes para sanar os vícios eventualmente presentes no pronunciamento saneador.

 

3.7. A estabilização do pronunciamento saneador

Conforme já destacado, a parte final do art. 357, § 1º, do CPC/2015 estabelece que após o escoamento do prazo para interposição do PEAS “a decisão se torna estável”. Não existe, no entanto, uniformidade sobre o sentido de tal estabilidade, em razão da profusão de pressupostos diferentes adotados em relação ao funcionamento do PEAS. Para Carolina Uzeda,[36] por exemplo, a estabilidade das decisões contidas no pronunciamento saneador somente atingiria o magistrado, não maculando o direito das partes de requerer a análise do assunto em sede recursal. É a posição mais aceita na doutrina, contando com o apoio de estudiosos como Dierle Nunes e Natanael Lud Santos e Silva,[37] e Juliane Gomes Louzada e Vinicius Silva Lemos.[38] Alexandre Freitas Câmara,[39] nesse sentido, esclarece que a estabilidade do pronunciamento saneador significa que:

 

“no primeiro grau de jurisdição, não será mais possível alterar-se o objeto da cognição (ressalvada a possibilidade de se ter de levar em conta algum fato ou direito superveniente). Além disso, aquilo que já estiver decidido ficará precluso para o juízo de primeiro grau, não sendo mais possível que o juiz, por exemplo, julgue extinto o processo sem resolução de mérito com base em fundamento afastado expressamente (afinal, já terá ele proclamado nada haver no processo que impeça a resolução do mérito com base em fundamento que ainda não tivesse sido suscitado) ou deixe de enfrentar e resolver alguma questão de fato ou de direito que tenha sido expressamente incluída entre aquelas que são relevantes para a decisão de mérito do processo. Esta preclusão, é bom que se registre, só alcança o juízo, mas não as partes, que poderão rediscutir todas essas matérias em sede de apelação (ou contrarrazões de apelação), nos termos do art. 1.009, § 1º, além de poderem ser apreciadas em grau de recurso, algumas delas até de ofício (art. 485, § 3º)”

 

Trata-se da mesma linha de raciocínio adotada por Daniel Amorim Assumpção Neves.[40] Nesse sentido, pode-se citar igualmente Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,[41] para quem o pronunciamento saneador se torna estável e:

 

“seu conteúdo só poderá ser objeto de novo debate no juízo de segundo grau, acaso devidamente impugnada a questão em preliminar de apelação ou nas respectivas contrarrazões (art. 1.009, § 1.º), ressalvada eventual decisão sobre a distribuição do ônus da prova, que é imediatamente recorrível mediante agravo de instrumento (art. 1.015, XI)”

 

Nesse sentido, também merecem ser citadas as lições de Flávio Luiz Yarshell, Guilherme J. Pereira Setoguti e Viviane Siqueira Rodrigues:[42]

 

“Diante das hipóteses legais para o cabimento do agravo de instrumento e pensada a lógica do sistema no que diz respeito à estabilidade pretendida, ocorre que determinados pronunciamentos em sede de saneamento adquirem mais do que estabilidade. É possível que, em determinadas hipóteses, a não interposição de agravo leve efetivamente à preclusão, impedindo que a questão seja discutida até mesmo em sede de apelação ou deduzida em contrarrazões. É o que se pode afirmar a respeito dos incs. III, VI, VII, VIII e IX do art. 1015”

 

Em suma, para a orientação prevalente, a estabilidade prevista na parte final do art. 357, § 1º, do CPC/2015 ocorre para o magistrado, mas não para as partes, que poderão atacar as decisões interlocutórias por meio de recursos de interposição imediata ou diferida, desde que o façam tempestivamente. Esta orientação, por sinal, já foi adotada em pelo menos um julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. In verbis:

 

“Sentença de improcedência do pedido, ao fundamento de que a parte autora não se desincumbiu de seu ônus probatório. Questão preliminar levantada no apelo. Alegação de que requereu na petição inicial a produção da prova oral, o que não foi analisado na decisão de saneamento do processo. Em que pese o recorrente não ter, nos termos do § 1º, do art. 357, do CPC, pedido esclarecimentos ou solicitado ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, tendo a decisão se tornado estável, conforme entendimento doutrinário sob o tema, essa estabilidade é relativa ao juiz e não às partes, podendo a questão ser suscitada em sede recursal, como preliminar de apelação. Evidente no caso a pertinência da produção dessa prova, eis que somente ouvindo-se em juízo pessoas que acompanharam o acontecido se apresenta possível a busca pela verdade dos fatos. Recurso a que se dá provimento, para, acolhendo a preliminar suscitada, determinar o deferimento da produção da prova oral requerida pelo apelante, anulando, por consequência, a sentença” (TJRJ – 16ª Câmara Cível – AC Apelação Cível nº 0017052-80.2014.8.19.0206 – Rel. Des. Carlos José Martins Gomes, j. em 08/05/2018)

 

Para Haroldo Lourenço,[43] no entanto, a estabilização do pronunciamento saneador, após o término do prazo para apresentação do PEAS, não pode ser modificada nem mesmo pelo recurso interposto em face da decisão final. In verbis:

 

“De igual modo, tal decisão sempre se estabilizará, vinculando as partes e o julgador, em todos os graus de jurisdição, do contrário não faria sentido, ou seja, limita a profundidade do efeito devolutivo da apelação (art. 1.013, §§ 1º e 2º). Tal vinculação, contudo, não atinge fatos supervenientes, pois só atinge as situações que até aquele momento existiam. Cumpre ressaltar que não se pode confundir estabilização de tutela antecipada antecedente, com a estabilização da decisão de saneamento e organização do processo, ora tratada, sendo a primeira mais intensa, eis que, para ser revista, há a necessidade de propositura de nova ação”.

 

Na jurisprudência, entretanto, tem prevalecido o entendimento de que se a decisão presente no pronunciamento saneador não desafiar recurso de interposição imediata, a falta de impugnação pelo PEAS faz com que ela se estabilize e não possa ser revista em sede recursal. Neste sentido, vejam-se os seguintes julgados:

 

“CERCEAMENTO DE DEFESA – PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DA PERÍCIA – MATÉRIA ALHEIA AOS PONTOS CONTROVERTIDOS ELENCADOS NA ETAPA DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO – AUSÊNCIA DE PEDIDO DE ESCLARECIMENTO OU AJUSTE NO PRAZO LEGAL – PRECLUSÃO – INTELIGÊNCIA DO ART.357, §1º, DO CPC/2015” (TJPR – 14ª Câmara Cível – AC 0023393-32.2016.8.16.0014 – Rel. Des. Themis de Almeida Furquim, j. em 15/05/2019)

 

“Não tendo a parte interessada pedido esclarecimentos ou solicitado ajustes na decisão saneadora, nos termos do artigo 357, §1° do CPC, ocorre a estabilização da decisão, restando preclusa a rediscussão da matéria, não havendo de se falar em cerceamento de defesa, agora em sede recursal, para justificar a cassação da sentença” (TJMG – 10ª Câmara Cível – AC 1.0000.18.122018-7/001 – Rel. Des. Maurício Pinto Ferreira, j. em 21/05/2019)

 

“Decisão saneadora pela qual o i. magistrado de 1º grau fixou os pontos controvertidos e designou audiência de instrução e julgamento para a oitiva de testemunhas – pleito de realização de prova pericial denegado – apelante que não apresentou insurgência no momento oportuno – hipótese de estabilização da decisão – inteligência do art. 357, §1º do CPC/2015” (TJSP – 12ª Câmara de Direito Privado – AC 1009465-50.2016.8.26.0068 – Rel. Des. Castro Figliolia, j. em 22/01/2019)

 

“2. De acordo com o art. 357, §1º, da decisão de saneamento e de organização do processo ‘As partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável’. 2.1. Ou seja, segundo o rito processual estabelecido a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, o inconformismo das partes acerca da decisão de saneamento deve ser apresentado como pedido de esclarecimentos ou solicitação de ajustes e, caso o inconformismo persista, ser devolvido como preliminar em apelação (art. 1.009, § 1º, CPC)” (TJDF – 2ª Turma Cível – AgInt no AI 0702203-63.2016.8.07.0000 – Rel. Des. João Egmont, j. em 10/05/2017)

 

Importante registrar ainda que, na visão de Rodolfo Kronemberg Hartmann,[44] o legislador foi infeliz ao empregar a expressão “estável” para descrever a condição do pronunciamento saneador após o decurso do prazo para apresentação do PEAS. Para Hartmann, a estabilidade mencionada no texto legal deveria ser interpretada como simples preclusão.

Pois bem. Na nossa opinião, a estabilidade mencionada no art. 357, § 1º, do CPC/2015 deve ser interpretada como uma modalidade especial de preclusão, voltada para “proteger” o saneamento do processo e, assim, otimizar as atividades subsequentes (instrutórias e decisórias) e assegurar o contraditório qualificado. Neste sentido, as matérias que não estiverem enquadradas no pronunciamento saneador não poderão ser objeto de julgamento. Por certo, essa estabilidade não abarca questões de ordem pública, nem se aplica aos casos onde houver uma mudança fática ao longo do procedimento ou justo impedimento das partes.

A partir dessa primeira colocação, é possível afirmar que todas as decisões contidas no pronunciamento saneador ficarão estáveis após o escoamento do prazo para apresentação do PEAS e não poderão mais ser atacadas por meio de recurso, seja de interposição imediata (embargos de declaração, agravo interno ou agravo de instrumento) ou diferida (apelação ou recursos excepcionais).

            Desse modo, pensando em procedimentos em curso na primeira instância, podemos apresentar os seguintes exemplos:

a) Se no pronunciamento saneador o juiz indeferir a oitiva de testemunhas, matéria que em tese não desafia agravo de instrumento, a falta de interposição do PEAS faz com que a decisão se torne estável e não possa ser atacada nem mesmo após a sentença, através da apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC/2015);

b) Se no pronunciamento saneador o juiz deferir a inversão do ônus da prova, pronunciamento agravável (art. 1.015, XI, do CPC/2015), a falta de apresentação do PEAS inviabiliza não apenas a interposição do agravo de instrumento, mas também a interposição de apelação para discutir a matéria, no final do procedimento;

Outro ponto que merece ser sublinhado é que a estabilidade decorrente do término do prazo para apresentação do PEAS também deve atingir o juízo. Essa, talvez, a única justificativa plausível para o legislador ter empregado a expressão “estável”, ao invés do conhecido termo “preclusão”. Com efeito, a preclusão é um fenômeno que atinge as partes, mas não o juízo. No caso do pronunciamento saneador, se ele se tornou “estável”, isso significa que as partes aceitaram o seu conteúdo e não há por que ele ser alterado após o ingresso do procedimento na fase probatória da instrução. Portanto, sendo as partes capazes e o direito disponível, o conteúdo do pronunciamento saneador após a ultrapassagem do prazo de 5 dias in albis, não pode mais ser modificado, seja pelas partes ou pelo julgador.[45]

Frise-se que, se a apresentação de PEAS inibe, num primeiro momento, a recorribilidade do pronunciamento saneador, após o julgamento do PEAS, entretanto, a questão impugnada poderá ser atacada pelos recursos cabíveis, uma vez que o julgamento do PEAS é incorporado ao pronunciamento saneador, tal qual ocorreria no caso de embargos de declaração.[46] Em outras palavras, a decisão que julga o PEAS não tem autonomia em relação ao pronunciamento saneador, pois a ele se incorpora.[47] Logo, na nossa compreensão, após a interposição do PAES, fica afastada a estabilidade prevista no art. 357, § 1º, do CPC/2015, abrindo caminho para a utilização dos recursos cabíveis em face das decisões interlocutórias. Assim, aproveitando os exemplos anteriormente citados:

a) Se no pronunciamento saneador o juiz indeferir a oitiva de testemunhas, após a interposição do PEAS, a decisão que o julgar vai se integrar ao pronunciamento saneador e poderá ser atacada, após a prolação da sentença, através da apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC/2015);

b) Se no pronunciamento saneador o juiz deferir a inversão do ônus da prova, após a interposição do PEAS, a decisão que o julgar vai se integrar ao pronunciamento saneador e poderá ser atacada por embargos de declaração[48] ou agravo de instrumento.

De sorte que não cabe PEAS da decisão que julga o PEAS. Cabem, apenas, os recursos correspondentes ao conteúdo da decisão impugnada e à instância onde tramita o procedimento.

 

3.8. Os efeitos decorrentes da interposição do PEAS

3.8.1. Efeito interruptivo

Atualmente, uma das maiores controvérsias no âmbito doutrinário e jurisprudencial é saber se a interposição do PEAS enseja algum tipo de efeito sobre o pronunciamento saneador impugnada, principalmente uma eventual interrupção da contagem dos prazos, o chamado efeito interruptivo.[49] Na nossa opinião, a interposição do PEAS deve ser considerada como capaz de produzir o efeito interruptivo, especialmente para evitar insegurança jurídica.[50] Nesse sentido, veja-se a lição de Guilherme Rizzo Amaral:[51]

 

“Já no que tange à interrupção do prazo para agravo de instrumento, tem-se que ela se opera quando apresentado o pedido de esclarecimentos. Não pode a parte ser surpreendida com a supressão de seu direito de impugnar a decisão saneadora caso o juiz tarde para resolver o pedido de que trata o § 1º do art. 357”

 

Nesse sentido, adotando essa orientação, vejam-se os seguintes julgados:

 

“Interposição de agravo de instrumento contra decisão saneadora após a rejeição de pedido de esclarecimentos formulado pela ré nos termos do art. 357, § 1º, do CPC. Manifestação que possui função análoga aos embargos de declaração, mostrando-se adequada a atribuição a ela de efeito interruptivo quanto ao prazo para a interposição de recursos. Extemporaneidade não reconhecida. (...)” (TJSP – 29ª Câmara de Direito Privado – AI 2162475-39.2018.8.26.0000 – Rel. Des. Fabio Tabosa, j. em 31/01/2019)

 

“Consoante prescreve o estatuto processual, às partes é assegurado o direito de solicitarem ao juízo esclarecimento ou ajustes acerca da decisão que promovera o saneamento do processo (NCPC, art. 357, § 1º), tornando inviável que seja reputada preclusa a questão que, conquanto previamente resolvida, se afigura ainda passível de revisão na forma dessa ritualística processual, porquanto, como cediço, o instituto da preclusão derivara da necessidade de assegurar efetividade ao processo e o alcance do seu desiderato, resultando no impedimento do revolvimento apenas de questões já resolvidas através de decisão irrecorrida ou irrecorrível” (TJDF – 1ª Turma Cível – AI 0703713-43.2018.8.07.0000 – Rel.  Des. Teófilo Caetano, j. em 04/07/2018)

 

“ALEGADO ERRO MATERIAL QUANTO AO NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO POR INTEMPESTIVIDADE E OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. ACOLHIMENTO. DECISÃO PRETÉRITA DE SANEAMENTO (ART. 357 DO CPC/2015), QUE PERMITE SOLICITAÇÃO DE AJUSTES NOS TERMOS DO § 1º DO MESMO DISPOSITIVO. RECURSO INTERPOSTO CONTRA A SEGUNDA DECISÃO, QUE ESTABILIZA O TEMA. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA AFASTAR A INTEMPESTIVIDADE E CONHECER DO RECURSO” (TJSC – 2ª Câmara de Direito Comercial – ED no AI 4008815-79.2017.8.24.0000 – Rel. Des. Dinart Francisco Machado, j. em 08/05/2018)

 

Ademais, como utilizamos do regramento dos embargos declaratórios como base interpretativa do PEAS, necessário que se aplique a ele os dispositivos contidos nos arts. 1.026, caput, e 1.024, § 4º, ambos do CPC/2015, a fim de lhe atribuir não apenas o efeito interruptivo do prazo recursal, mas também a possibilidade de complementação das razões recursais, caso já se tenha interposto recurso contra o pronunciamento saneador que eventualmente venha a ser alterada em razão do julgamento do PEAS.[52] Neste sentido, vejam-se os seguintes julgados:

 

“Interposição de agravo de instrumento contra decisão saneadora após a rejeição de pedido de esclarecimentos formulado pela ré nos termos do art. 357, § 1º, do CPC. Manifestação que possui função análoga aos embargos de declaração, mostrando-se adequada a atribuição a ela de efeito interruptivo quanto ao prazo para a interposição de recursos. Extemporaneidade não reconhecida. (...)” (TJSP – 29ª Câmara de Direito Privado – AI 2162475-39.2018.8.26.0000 – Rel. Des. Fabio Tabosa, j. em 31/01/2019)

 

“Consoante prescreve o estatuto processual, às partes é assegurado o direito de solicitarem ao juízo esclarecimento ou ajustes acerca da decisão que promovera o saneamento do processo (NCPC, art. 357, § 1º), tornando inviável que seja reputada preclusa a questão que, conquanto previamente resolvida, se afigura ainda passível de revisão na forma dessa ritualística processual, porquanto, como cediço, o instituto da preclusão derivara da necessidade de assegurar efetividade ao processo e o alcance do seu desiderato, resultando no impedimento do revolvimento apenas de questões já resolvidas através de decisão irrecorrida ou irrecorrível” (TJDF – 1ª Turma Cível – AI 0703713-43.2018.8.07.0000 – Rel.  Des. Teófilo Caetano, j. em 04/07/2018)

 

“ALEGADO ERRO MATERIAL QUANTO AO NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO POR INTEMPESTIVIDADE E OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. ACOLHIMENTO. DECISÃO PRETÉRITA DE SANEAMENTO (ART. 357 DO CPC/2015), QUE PERMITE SOLICITAÇÃO DE AJUSTES NOS TERMOS DO § 1º DO MESMO DISPOSITIVO. RECURSO INTERPOSTO CONTRA A SEGUNDA DECISÃO, QUE ESTABILIZA O TEMA. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA AFASTAR A INTEMPESTIVIDADE E CONHECER DO RECURSO” (TJSC – 2ª Câmara de Direito Comercial – ED no AI 4008815-79.2017.8.24.0000 – Rel. Des. Dinart Francisco Machado, j. em 08/05/2018)

 

Uma posição diferenciada sobre o tema pode ser vista no estudo feito por Carolina Uzeda.[53] Esta estudiosa defende que o PEAS não terá efeito interruptivo, mas que o prazo recursal somente será iniciado após a intimação da decisão judicial que julgar este pedido. In verbis:

 

“Apenas após a intimação sobre a decisão do pedido de esclarecimentos ou o decurso do prazo de cinco dias (previsto no art. 357, § 1º), terá início o prazo para interposição de recurso contra a decisão”

 

Em que pese ser uma solução interessante, entendemos que a aplicação de prazo sucessivo somente é possível caso haja determinação legal ou judicial prevendo a sua aplicação ao caso. Além disso, a parte pode ficar insegura sobre o início da fluência do prazo, na medida em que a interposição do PEAS pode levar alguns dias até ficar visível no processo. Ela teria que ficar acompanhando diariamente o processo, para verificar se seu prazo recursal teve início ou não.

            De qualquer forma, o entendimento majoritário na jurisprudência é no sentido de que a interposição do PEAS não dispõe de efeito interruptivo, como se pode verificar dos seguintes julgados:

 

“Ademais, ao contrário do que entende o recorrente, mesmo se tratasse de pedido de esclarecimento ou ajustes, este não possui o condão de suspender ou interromper o prazo para interposição de recursos, porquanto não possui natureza recursal. Insta salientar que a finalidade prática do disposto no §1° do artigo 357, do Código de Processo Civil, é discutir matérias que não são recorríveis de imediato via do Agravo de Instrumento, salvo se tratar de hipótese prevista no inciso XI, do artigo 1.015 do CPC, devendo aquelas serem discutidas em sede preliminar de Apelação ou contrarrazões, nos termos do artigo 1.009, §1º do CPC” (TJPR – 10ª Câmara Cível – AI 0046995-26.2018.8.16.0000 – Rel. Des. Luiz Lopes, j. em 03/04/2019)

 

“DECISÃO AGRAVADA PROFERIDA APÓS PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS DE DECISÃO QUE INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL E ANUNCIOU O JULGAMENTO DO FEITO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CONHECIMENTO. INTEMPESTIVIDADE. PRECLUSÃO TEMPORAL. OCORRÊNCIA. INTERPOSIÇÃO DO RECURSO CONTRA A DECISÃO DE ESCLARECIMENTOS. PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS QUE NÃO INTERROMPE OU SUSPENDE O PRAZO RECURSAL. ARTIGO 357, §1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE SUBSUNÇÃO DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 OU DE RISCO AO RESULTADO UTIL DO PROCESSO” (TJPR – 11ª Câmara Cível – AI 0001332-20.2019.8.16.0000 – Rel. Des. Lenice Bodstein, j. em 22/02/2019)

 

“Agravante assistida pela Defensoria Pública que foi intimada em 13/03/2018. Protocolo de ‘pedido de esclarecimento’ em 20/03/18, o qual não se utiliza da via dos embargos de declaração. Juízo de piso que nada provê diante de tal pedido. Ausência de efeito interruptivo. Recurso manifestamente intempestivo. (...) Embora a agravante afirme ter sido intimada da decisão agravada em 18 de outubro último, a petição protocolizada em 20 de março de 2018 nos autos de origem (fls. 264) não deixa dúvida de que, nos termos da própria peça, ‘a requerente tomou ciência da decisão de fls. 259 em 13 de março de 2018’. A data da intimação foi certificada, aliás, a fls. 261 dos autos de origem. A citada petição formula incomum pedido de esclarecimento, com concessão de efeito suspensivo, sem se utilizar da via dos embargos de declaração. Ao apreciar o pedido, o juízo de primeiro grau inclusive registrou que não havia nada a prover, de modo que não há mesmo como atribuir efeito interruptivo a tal petição. O recurso é, pois, manifestamente intempestivo, uma vez que há muito decorreu o prazo de 15 dias se iniciou no dia 14 de março seguinte ao dia da intimação do agravante. Sendo assim, deixo de conhecer do agravo de instrumento, o que faço na forma do artigo 932, inciso III, do Código de Processo Civil” (TJRJ – 16ª Câmara Cível – AI 0058856-25.2018.8.19.0000 – Rel. Des. Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, j. em 22/10/2018)

 

“Apresentação de pedido de esclarecimentos, com fulcro no art. 357, § 1º, do CPC, sustentando a Demandante a existência de contradição no decisum, que restou integralmente mantido pelo Juízo a quo. Postulação que não se confunde com embargos de declaração. Inexistência, na espécie, de causa suspensiva ou interruptiva do prazo recursal” (TJRJ – 11ª Câmara Cível – AI 0033048-18.2018.8.19.0000 – Rel. Des. Sérgio Nogueira de Azeredo, j. em 18/07/2018)

 

In casu, infere-se que a pretensão do recorrente não era a de obter esclarecimentos ou solicitar ajustes relativos ao saneamento do processo, tratando-se, a meu sentir, de verdadeiro pedido de reconsideração. O pedido de reconsideração não é tido como recurso e, portanto, não suspende o prazo recursal. Assim, para fins de contagem do prazo recursal, considera-se a data da primeira decisão” (TJMG – 7ª Câmara Cível – AgInt no AI 1.0433.14.007846-3/003 – Rel. Des. Wilson Benevides, j. em 17/07/2018)

 

Conforme entendimento fixado no acórdão, cabia ao agravante, dentro do prazo de quinze dias, interpor recurso contra a decisão saneadora proferida em abril de 2017 e não em face daquela que manteve o capítulo do decisum anterior que inverteu o ônus da prova. Intempestividade reconhecida. 4. Impossibilidade de rediscussão da matéria, pela via dos embargos de declaração, provocando novo julgamento de questões já decididas. (...)” (TJRJ – 25ª Câmara Cível – AI 0002856-05.2018.8.19.0000 – Rel. Des. Sérgio Seabra Varella, j. em 25/04/2018)

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERE O PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PEDIDO DE ESCLARECIMENTO, COM BASE NO ART.  357, § 1º. PEDIDO DE ESCLARECIMENTO QUE NÃO INTERROMPE O PRAZO PARA AGRAVAR. RECURSO INTEMPESTIVO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, NOS TERMOS DO ART. 932, III, DO NCPC” (TJRJ – 27ª Câmara Cível – AI 0016810-21.2018.8.19.0000 – Rel. Des. Tereza Cristina Sampaio, j. em 16/04/2018)

 

“As agravantes foram intimadas, tendo formulado, perante o magistrado a quo, pedido de esclarecimentos, na forma do artigo 357, §1º, do Código de Processo Civil, o que, no entanto, não tem o condão de interromper eventual prazo recursal. Recurso, nesse contexto, que se reputa manifestamente intempestivo” (TJRJ – 10ª Câmara Cível – AC 0062897-35.2018.8.19.0000 – Rel. Des. Patricia Ribeiro Serra Vieira, j. em 23/08/2017)

 

“O pedido de esclarecimentos e ajustes previsto no § 1º do art. 357 do CPC/15 não possui natureza recursal, pois só são recursos aqueles taxativamente previstos como tal na lei processual. 2. Não há se falar em extensão do efeito interruptivo – previsto apenas para os embargos declaração (art. 1.026, caput, do CPC/15) e para os embargos de divergência (art. 1.044, § 1º, CPC), não incidindo em nenhuma outra modalidade recursal - ao pedido de esclarecimentos e ajustes em questão, que sequer recurso é. 3. Recurso conhecido e desprovido” (TJDF – 3ª Turma Cível – AgInt no AI 0034741-41.2016.8.07.0000 – Rel.  Des. Maria de Lourdes Abreu, j. em 02/02/2017)

 

            A base doutrinária da posição jurisprudencial prevalente é a orientação de Fredie Didier Jr.,[54] segundo a qual o PEAS não dispõe “de efeito interruptivo do prazo para o agravo de instrumento, eventualmente cabível contra essa decisão”.

 

3.8.2. Efeito devolutivo

         Por outro prisma, não nos afigura coerente com os motivos que deram origem ao instituto que o magistrado pudesse ficar limitado, no julgamento do PEAS, aos temas que foram impugnados na sua interposição. Isso porque a reanálise de um ponto impugnado pode levar a revisão de outros pontos a ele correlatos. Assim, por exemplo, se o PEAS visa obter do julgador a expressa manifestação sobre o pedido exordial de inversão do ônus da prova, omitido no pronunciamento saneador, o seu acolhimento pode levar ao deferimento de provas que haviam sido originalmente indeferidas ou vice-e-versa.

De modo que a interposição do PEAS deve permitir que o magistrado aprecie não apenas a matéria impugnada, mas também aquelas que eventualmente tenham sido afetadas pelo seu acolhimento, aos moldes do que se verifica nos embargos de declaração dotados de efeito modificativo.[55]

 

3.8.3. Efeito suspensivo

Em relação ao efeito suspensivo, apesar da omissão legal, entendemos que a interposição do PEAS não deve produzir tal efeito automaticamente (opi legis), especialmente considerando que a maioria das decisões contidas no pronunciamento saneador sequer desafia recurso e, entre aquelas que são recorríveis em imediato, o recurso principal somente terá efeito suspensivo se ele for deferido pelo julgador (opi judicis).

Exatamente por isso, na nossa visão, o juiz pode deferir o efeito suspensivo ao PEAS, se verificar presentes os requisitos legais autorizadores, através da fórmula prevista, por exemplo, nos arts. 1.019, I, e 1.026, § 1º, do CPC/2015, que tratam do efeito suspensivo nos embargos de declaração e no agravo de instrumento.[56] Isso porque, o pronunciamento saneador pode ter fixado a realização de atos em data próxima, que poderão restar comprometidos pelo julgamento do PEAS. Neste sentido, pense-se num pronunciamento saneador que marca a AIJ para oitiva das testemunhas (art. 357, V, do CPC/2015), mas não se pronuncia sobre o pedido de depoimento pessoal formulado pela parte autora. Se a parte autora apresentar PEAS, pode ser conveniente deferir o efeito suspensivo à impugnação, uma vez que o deferimento do pedido de depoimento pessoal pode levar à prática de atos que inviabilizem a realização da AIJ na data marcada. Ademais, com já sublinhado, no corpo do pronunciamento saneador, pode o juiz ter deferido uma tutela antecipada ou outra decisão de execução imediata. Nestes casos, não permitir que o PEAS tenha efeito suspensivo opi judicis implicaria em reconhecer que a parte interessada teria o direito de ajuizar imediatamente o recurso contra tal decisão,[57] bem como utilizar outros meios impugnativos, tais como o mandado de segurança.[58]

 

3.9. A fungibilidade entre os embargos de declaração e o PEAS

Como visto, entendemos que a previsão do PEAS afasta por completo o cabimento dos embargos de declaração. Ocorre que, ainda que a parte interessada tenha rotulado sua manifestação como embargos de declaração, não vemos impedimento para que a pretensão de esclarecimento do pronunciamento saneador seja recebida como PEAS. De fato, os requisitos de admissibilidade de ambos os institutos são semelhantes. De forma que seria um formalismo exagerado desconhecer o pedido de esclarecimento, especialmente diante da possibilidade de estabilização do pronunciamento saneador.

 

3.10. A oitiva da parte contrária antes do julgamento do PEAS

Embora não exista previsão legal, nos parece que, em homenagem ao princípio do contraditório (art. 10 do CPC/2015), deverá o juiz ouvir a parte contrária, diante de um PEAS, independentemente do tipo de decisão que venha a tomar sobre ele. O prazo, nesse caso, em razão da isonomia processual, deverá ser de 5 dias.[59] Na doutrina, no entanto, o entendimento expresso pelo único estudioso que abordou a questão é que essa oitiva somente deve ocorrer se o julgamento do PEAS for capaz de produzir efeitos modificativos, aos moldes do que se estabeleceu em relação aos embargos de declaração (art. 1.023, § 2º, do CPC/2015).[60]

 

 

3.11. O julgamento do PEAS

Uma vez proferido o pronunciamento saneador, deverá o magistrado intimar as partes sobre o seu conteúdo para que possam, se quiserem, apresentar seus PEAS. Não fazer isso implica em erro grave, posto que atenta, em última análise, contra os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, comprometendo a validade do pronunciamento saneador e das decisões que lhe forem posteriores. Neste sentido, veja-se o seguinte julgado:

 

“3. In casu, embora o réu tenha formulado pedido de produção de prova documental suplementar e prova pericial grafotécnica, este não foi apreciado. Decisão saneadora aduzindo versar a controvérsia questão de direito e ausência de provas a serem produzidas, e determinando a remessa dos autos ao Grupo de Sentença. Partes que sequer foram intimadas da decisão, não lhes sendo oportunizada manifestação acerca do saneamento do processo, nos termos do § 1º do art. 357 do Novo Código. 4. Error in procedendo a justificar a anulação da sentença, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para o regular prosseguimento do feito, sendo as intimadas as partes da decisão saneadora, oportunizando-lhes a manifestação acerca do saneamento do processo, bem como para que se manifeste expressamente o Juízo a quo acerca do requerimento de provas formulado pelo réu. 5. Recurso do réu provido para anular a sentença, nos termos do voto do relator” (TJRJ – 25ª Câmara Cível – AC 0016790-65.2016.8.19.0205 – Rel. Des. Luiz Fernando de Andrade Pinto, j. em 23/08/2017)

 

Além disso, a interposição do PEAS deve ser objeto de cuidadosa análise por parte do julgador, na medida em que o seu objetivo é aprimorar a atividade de saneamento do processo. De modo que a omissão judicial na apreciação do PEAS interposto pode também acarretar a invalidade dos atos processuais, caso isso seja oportunamente arguido. Neste sentido, veja-se os seguintes julgados:

 

“Ignorada a regra da cooperação hospedada no art. 357 do CPC, especialmente no cenário atual, onde a ideia do juiz destinatário final da prova vem perdendo força em face do art. 190 do novo CPC, e ainda, aviltada a fase de possíveis esclarecimentos solicitados pelas partes acerca do ônus probatório delimitado, não há outro caminho senão anular a Sentença por cerceamento da atividade probante” (TJPE – 1ª Regional de Caruaru – AC 0000020-66.2016.8.17.3110 – Rel. Des. Humberto Costa Vasconcelos Junior, j. em 10/07/2019)

 

“Agravo de instrumento interposto contra a r. decisão que deixou de apreciar pedido de ajustes à decisão de saneamento, inclusive no tocante ao pedido de nomeação de perito especializado, com rejeição dos embargos de declaração opostos. Art. 357, § 1º, do CPC. Necessidade de análise dos pedidos de ajustes, nos termos dos arts. 6º e 10 do CPC, antes da estabilização da lide. Anulação das decisões posteriores à decisão saneadora para que sejam analisados os pedidos de ajustes e de esclarecimentos. Recurso provido para tanto” (TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – AI 2071764-51.2019.8.26.0000 – Rel. Des. Maia da Cunha, j. em 23/05/2019)

 

“DECISÃO SANEADORA QUE NÃO APRECIOU O PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVAS DOCUMENTAL, TESTEMUNHAL E DEPOIMENTO PESSOAL POSTULADO PELO RÉU, ORA APELANTE. SOLICITAÇÃO DE AJUSTE, NA FORMA DO ART.357, § 1º, DO CPC. JUÍZO A QUO QUE NÃO ENFRENTOU A QUESTÃO. NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL QUE CONFERE ÀS PARTES O DIREITO DE PEDIR ESCLARECIMENTOS E SOLICITAR AJUSTES NA DECISÃO DE SANEAMENTO. ERROR IN PROCEDENDO. PROVIMENTO JURISDICIONAL NÃO FUNDAMENTADO. ART. 93, INCISO IX, DA CRFB. PRECEDENTE. PROVIMENTO DO RECURSO, PARA CASSAR A SENTENÇA E DETERMINAR A APRECIAÇÃO DA PETIÇÃO QUE SOLICITOU O AJUSTE, COM O PROSSEGUIMENTO DO FEITO” (TJRJ – 7ª Câmara Cível – AC 0008992-26.2011.8.19.0206 – Rel. Des. André Andrade, j. em 23/08/2017)

 

            Por certo, a julgamento do PEAS deve contar com fundamentação adequada, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, e do art. 489, § 1º, do CPC/2015. Para tanto, é imprescindível que os magistrados abandonem as fórmulas prontas e vazias, que ainda hoje se veem empregadas no julgamento de recursos como os embargos de declaração. O PEAS é um mecanismo de colaboração processual, voltado para aprimorar um momento crucial do processo que é a fase de saneamento da instrução, e, como tal, deve ser visto com cuidado e atenção pelo julgador. Por outro lado, a apresentação indevida do PEAS, com evidente proposito procrastinatório, pode ser alvo de sancionamento, nos moldes previstos pelo art. 80 do CPC/2015.

Por fim, importante repisar que a decisão do PEAS vai integrar o pronunciamento saneador, substituindo-a na parcela impugnada, de forma análoga àquela prevista em relação aos recursos (art. 1.008 do CPC/2015). Logo, é correto afirmar que o pronunciamento sobre o PEAS tem efeito substitutivo, tal qual ocorreria no caso do julgamento dos embargos de declaração.

 

4. Considerações finais

Como visto, procuramos montar uma estrutura capaz de permitir o funcionamento do PEAS de maneira segura e previsível, em sintonia com as diretrizes do processualismo contemporâneo e à luz de outros institutos já conhecidos, notadamente com o recurso de embargos de declaração, para não expor a risco a tutela dos direitos deduzidos em juízo. Além disso, buscamos traçar os principais objetivos perseguidos quando da criação do PEAS. Em seguida, procuramos criar um modelo de funcionamento que, ainda que um tanto burocrático e formalista, possa atingir tais objetivos de maneira eficiente.

Por certo, a nossa postura pode ser alvo de questionamentos, em razão do seu acentuado conservadorismo. Muitos poderão dizer que estamos querendo transformar algo novo em algo velho. A crítica é válida, mas, na nossa opinião, se o legislador quis implementar algo novo, deveria tê-lo regulado direito. Se não o fez, deu permissão implícita para o intérprete envelhecer precocemente o instituto através da aplicação dos institutos já existentes.

 

5. Referências

ABELHA, Marcelo. Manual de direito processo civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao art. 357. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRMAER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo código de processo civil brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 560-565.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016.

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FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo código de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2015.

LACERDA, Galeno. Do despacho saneador. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998.

LOURENÇO, Haroldo. Processo civil: sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 115-145.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante o procedimento comum. Vol. 2, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

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ROCHA, Felippe Borring. Contraditório utilitarista. In: Revista de Processo. Vol. 229, mar./2014, p. 171-197.

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YARSHELL, Flávio Luiz; SETOGUTI, Guilherme J. Pereira; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.



[1]   Mestre em Direito (UNESA/RJ) e Doutor em Direito (UFF). Professor de Direito Processual Civil. Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro.

[2]   Bacharelanda em Direito (UNESA/RJ).

[3]   O art. 354 do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, que tratava do saneamento, dizia apenas que “não ocorrendo nenhuma das hipóteses das seções deste Capítulo, o juiz, declarando saneado o processo, delimitará os pontos controvertidos sobre os quais deverá incidir a prova, especificará os meios admitidos de sua produção e, se necessário, designará audiência de instrução e julgamento”. Essa redação foi ampliada e aprimorada, tendo se transformado nos arts. 342 e 343 do projeto originalmente aprovado pelo Senado (PLS nº 166/2010). Destarte, o PEAS somente foi introduzido no projeto de lei na Câmara dos Deputados (art. 364, § 1º, do PLC nº 8.046/2010). É esse texto, posteriormente mantido pelo Senado, que estampa o art. 357, § 1º, do CPC/2015.

[4]   No direito processual civil brasileiro e português, a doutrina tradicionalmente nomeava o ato judicial de saneamento com sendo o “despacho saneador”. Neste sentido, veja-se LACERDA, Galeno. Do despacho saneador. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 55. Ocorre que, com o passar do tempo, verificou-se que a nomenclatura era tecnicamente incompatível com o regramento previsto no art. 162 do CPC/1973, pois no “despacho saneador” estavam contidas decisões interlocutórias. Por isso, a doutrina passou a falar em “decisão saneador”. Neste sentido, veja-se, THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 55ª ed., São Paulo: Forense, 2014, p. 457. Essa terminologia se manteve com a edição do CPC/2015. Neste sentido, DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 701. Ocorre que, na nossa opinião, o ato judicial descrito no caput do art. 357 do CPC/2015 não pode ser rotulado como “despacho” ou “decisão interlocutória”. Nele estão contidos, simultaneamente, despachos e decisões interlocutórias. Por isso, com espeque no caput do art. 203 do CPC/2015, optamos por falar em “pronunciamento saneador”.

[5]   CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 194/195.

[6]   BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao art. 357. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRMAER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo código de processo civil brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 562.

[7]   LOURENÇO, Haroldo. Processo civil: sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 339.

[8]   Diz o Enunciado 428 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC: A integração e o esclarecimento das alegações nos termos do art. 357, §3°, não se confundem com o aditamento do ato postulatório previsto no art. 329”. Nos parece que o autor se equivocou na menção deste enunciado, pois ele trata dos pedidos de integração ou esclarecimento formulado pelas partes durante o saneamento compartilhado, previsto no art. 357, § 3º, e não do PEAS, previsto no parágrafo primeiro do mesmo artigo.

[9]   ABELHA, Marcelo. Manual de direito processo civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 526.

[10] NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de direito processual civil: volume único. 10ª ed., Salvador: Juspodivm, 2018, p. 697.

[11] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 512.

[12] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 703.

[13] Nesse sentido, vejam-se FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Comentários ao art. 357. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; et altri. (coord.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 974, e BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao art. 357. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRMAER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo código de processo civil brasileiro. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 562.

[14] Nesse sentido, veja-se ABELHA, Marcelo. Manual de direito processo civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 526.

[15] Nesse sentido, vejam-se FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo código de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 299, e LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 133.

[16] Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado: “O pedido de esclarecimentos e ajustes previsto no § 1º do art. 357 do CPC/15 não possui natureza recursal, pois só são recursos aqueles taxativamente previstos como tal na lei processual” (TJDF – 3ª Turma Cível – AgInt no AI 0034741-41.2016.8.07.0000 – Rel.  Des. Maria de Lourdes Abreu, j. em 02/02/2017).

[17] Sobre a importância do princípio da taxatividade, vejam-se ROCHA, Felippe Borring. Teoria geral dos recursos cíveis. São Paulo: Elsevier, 2008, p. 62, e ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 103.

[18] Em sentido contrário, afirmando que o PEAS é um pedido de reconsideração, veja-se: “PLEITO DE ADEQUAÇÃO EQUIVALENTE A PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DIANTE DO SEU NÍTIDO CARÁTER DE INCONFORMISMO VISANDO ALTERAR O QUE RESTOU DECIDIDO. INAPLICABILIDADE AO CASO DA REGRA PREVISTA NO § 1º, DO ART. 357, CPC. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO QUE NÃO SUSPENSE OU INTERROMPE O PRAZO RECURSAL. DECISÃO ANTERIOR PRECLUSA QUE POR PRIMEIRO CAUSOU GRAVAME À RECORRENTE. INSURGÊNCIA INTEMPESTIVA. NÃO CONHECIMENTO” (TJPR – 14ª Câmara Cível – AI 0010388-77.2019.8.16.0000 – Rel. Des. João Antônio de Marchi, j. em 19/03/2019).

[19] Nesse sentido, veja-se BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao art. 357. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRMAER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo código de processo civil brasileiro. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 562.

[20] Em sentido contrário, aparentemente sustentando que “esclarecer” e “ajustar” seriam sinônimos, veja-se: In casu, em que pese o embargante sustente de que se trata de um pedido de esclarecimento ou solicitação de ajuste do saneador, a pretensão da petição de mov. 48.1 não se amolda ao pleito de adequação previsto no § 1°, artigo 357, do Código de Processo Civil, vez que apresenta unicamente mero inconformismo com a deliberação proferida na decisão de saneamento, possuindo, portanto, roupagem de pedido de reconsideração” (TJPR – 10ª Câmara Cível – AI 0046995-26.2018.8.16.0000 – Rel. Des. Luiz Lopes, j. em 03/04/2019).

[21] Em sentido semelhante, veja-se LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 132.

[22] Em sentido contrário, afirmando que o PEAS não pode ventilar pretensão de correção do pronunciamento saneador, veja-se: In casu, infere-se que a pretensão do recorrente não era a de obter esclarecimentos ou solicitar ajustes relativos ao saneamento do processo, tratando-se, a meu sentir, de verdadeiro pedido de reconsideração. O pedido de reconsideração não é tido como recurso e, portanto, não suspende o prazo recursal. Assim, para fins de contagem do prazo recursal, considera-se a data da primeira decisão” (TJMG – 7ª Câmara Cível – AgInt no AI 1.0433.14.007846-3/003 – Rel. Des. Wilson Benevides, j. em 17/07/2018).

[23] Trata-se de uma classificação bastante similar àquelas que vêm sendo defendidas na doutrina. Neste sentido, veja-se LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 127: “A decisão de saneamento e organização do processo poderá ser proferida de três maneiras, todas destinadas, especialmente, em delimitar e fixar as questões de direito, sendo elas, por decisão unilateral do juiz (em gabinete), por homologação do negócio jurídico processual bilateral e na audiência de saneamento compartilhado (oralmente reduzido a termo)”.

[24] Nesse sentido, vejam-se também LOURENÇO, Haroldo. Processo civil: sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 339, DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 703, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante o procedimento comum. Vol. 2, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 162, e LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 133. Em sentido contrário, afirmando que o PEAS é cabível em face da decisão contida em qualquer tipo de pronunciamento saneador, veja-se ABELHA, Marcelo. Manual de direito processo civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 526.

[25] Diz o art. 357, § 3º, do CPC/2015: Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”.

[26] A ação rescisória é um exemplo de procedimento da competência originária dos tribunais onde pode ser proferido um pronunciamento saneador, com base no art. 357 do CPC/2015 (art. 970 do CPC/2015), abrindo caminho para que as partes apresentem PEAS.

[27] No caso específico do amicus curiae, entendemos que o PEAS somente pode versar sobre esclarecimentos e não sobre ajustes, por conta dos comandos contidos no art. 138, §§ 1º e 3º, do CPC/2015, respectivamente: A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o e O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”.

[28] Nesse sentido, veja-se FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo código de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 299.

[29] BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao art. 357. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRMAER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo código de processo civil brasileiro. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 562.

[30] Alguns estudiosos, no entanto, admitem tanto a interposição de PEAS como de embargos de declaração em face do pronunciamento saneador. Neste sentido, veja-se, por exemplo, AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 480.

[31] Nesse sentido, diz o Enunciado 27, aprovados pelos magistrados que integraram os Grupos de Trabalho do Fórum de Debates e Enunciados sobre o novo Código de Processo Civil, sessão plenária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 26 de fevereiro de 2016: “(art. 357, § 1º) Cabe pedido de esclarecimentos e solicitação de ajustes em relação à decisão saneadora prevista no caput do art. 357, sendo inadmissíveis os embargos de declaração”. Na doutrina, vejam-se ABELHA, Marcelo. Manual de direito processo civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 526 e DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 703.

[32] Neste passo, importante esclarecer que, na nossa visão, não apenas a decisão que defere a redistribuição do ônus da prova, mas também a decisão que indefere a redistribuição do ônus da prova, são sujeitas ao agravo de instrumento. Sobre o tema, veja-se ROCHA, Felippe Borring; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. A recorribilidade das decisões interlocutórias sobre direito probatório. In: Revista Brasileira de Direito Processual. nº 101, jan./mar. 2018, p. 120.

[33] AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 480.

[34] A possibilidade de concessão do efeito suspensivo ao PEAS será melhor estudada no item subsequente do texto.

[35] LOURENÇO, Haroldo. Processo civil: sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 339.

[36] UZEDA, Carolina. Pedido de ajustes e esclarecimentos: a participação das partes na decisão de saneamento e organização do processo. In: Revista de Processo. Vol. 289, mar. 2019, p. 174.

[37] Alguns estudiosos que não reconhecem a possibilidade de concessão do efeito suspensivo ao PEAS alertam para o inconveniente risco da utilização de meios impugnativos em face do pronunciamento saneador. Neste sentido, veja-se NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud Santos e. Comentários ao art. 357. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle, CUNHA, Leonardo Carneiro da. (org.). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 528.

[38] LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 1.

[39] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 195.

[40] NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de direito processual civil: volume único. 10ª ed., Salvador: Juspodivm, 2018, p. 697.

[41] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante o procedimento comum. Vol. 2, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 162.

[42] YARSHELL, Flávio Luiz; SETOGUTI, Guilherme J. Pereira; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 379.

[43] LOURENÇO, Haroldo. Processo civil: sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 339.

[44] HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil, 4ª ed., Niterói: Impetus, 2017, p. 328.

[45] Nesse sentido, veja-se LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 135.

[46] Sobre o efeito modificativo dos embargos de declaração, veja-se ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 764.

[47] Em sentido contrário, afirmando que a decisão que julga o PEAS é uma decisão interlocutória autônoma e que não se inclui no rol do art. 1.015 do CPC/2015, vejam-se: “DECISÃO MONOCRÁTICA – ARTIGO 932, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C PEDIDO DE LIMINAR – DECISÃO QUE NÃO ACOLHE O PEDIDO DE AJUSTES AO DESPACHO SANEADOR, REQUERIDO NOS TERMOS DO ART. 357, § 1º, CPC – PRONUNCIAMENTO JUDICIAL, À LUZ DA NOVA SISTEMÁTICA DO PROCESSO CIVIL, QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES TAXATIVAS DE CABIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – ARTIGO 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO NÃO CONHECIDO” (TJPR – 17ª Câmara Cível – AI 0047755-72.2018.8.16.0000 – Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin, j. em 08/11/2019) e “Saneado o processo o agravante formulou requerimento de esclarecimento ou ajustes nos termos do art. 357, §1º do CPC/2015, o qual foi indeferido. O agravo ataca este indeferimento. Entretanto a decisão não comporta agravo de instrumento por ausência de previsão legal e sequer se encaixa no inc. XI, do art.1.015 do CPC, posto que se refere à redistribuição do ônus da prova - hipótese diversa dos autos. RECURSO NÃO CONHECIDO” (TJPR – 12ª Câmara Cível – AI 1661684-1 – Rel. Des. Ivanise Maria Tratz Martins, j. em 05/04/2017).

[48] Por certo, os embargos de declaração somente poderão ser manejados em relação omisso, contraditório, obscuro ou equivocado presente na decisão que julgar o PEAS.

[49] A interrupção da contagem do prazo recursal sem dúvida é a questão mais candente, mas é preciso lembrar que o efeito interruptivo não se limita a ela, podendo interromper também a contagem de outros prazos eventualmente fixados no pronunciamento saneador, tais como o prazo para juntada de documentos ou para apresentação do rol de testemunhas.

[50] Nesse sentido, vejam-se LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 133, e YARSHELL, Flávio Luiz; SETOGUTI, Guilherme J. Pereira; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 379.

[51] AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 480.

[52] Nesse sentido, vejam-se LOUZADA, Juliane Gomes; LEMOS, Vinicius Silva. Estabilização da decisão de saneamento processual e o impacto à aplicação do princípio iura novit curia. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Vol. 4, nº 2, jul./dez. 2017, p. 133, e YARSHELL, Flávio Luiz; SETOGUTI, Guilherme J. Pereira; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 379.

[53] UZEDA, Carolina. Pedido de ajustes e esclarecimentos: a participação das partes na decisão de saneamento e organização do processo. In: Revista de Processo. Vol. 289, mar. 2019, p. 177.

[54] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 703.

[55] Sobre o efeito modificativo dos embargos de declaração, veja-se ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 763.

[56] Na doutrina, os estudiosos que abordam o tema se limitam a afirmar que o PEAS não tem efeito suspensivo, sem mencionar se entendem cabível a concessão de tal efeito pelo juiz.

[57] Exatamente por isso, existe quem sustente que apenas decisões que não desafiam agravo de instrumento podem ser objeto de PEAS. Neste sentido, veja-se LOURENÇO, Haroldo. Processo civil: sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 339.

[58] Alguns estudiosos que não reconhecem a possibilidade de concessão do efeito suspensivo ao PEAS alertam para o inconveniente risco da utilização de meios impugnativos em face do pronunciamento saneador. Neste sentido, veja-se NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud Santos e. Comentários ao art. 357. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle, CUNHA, Leonardo Carneiro da. (org.). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 528.

[59] Sobre a inconstitucionalidade de submeter o contraditório ao resultado do julgamento dos embargos de declaração, veja-se ROCHA, Felippe Borring. Contraditório utilitarista. In: Revista de Processo. Vol. 229, mar./2014, p. 184.

[60] Nesse sentido, vejam-se AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 480, e YARSHELL, Flávio Luiz; SETOGUTI, Guilherme J. Pereira; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 378.

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