domingo, 29 de setembro de 2013

Juíza não deixa estagiário sentar-se à mesa de audiência

Juíza não deixa estagiário sentar-se à mesa de audiência
Um estudante do 10º semestre de Direito que atua como estagiário foi proibido de sentar-se à mesa de audiência durante a instrução de uma ação em Mato Grosso. A decisão foi tomada pela juíza Eulice Jaqueline da Costa Cherulli, da 3ª Vara de Família e Sucessões de Várzea Grande. Ela afirma que sua decisão baseou-se em uma ementa de 2007 do Tribunal de Ética e Disciplina da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. As informações são do portal Mato Grosso Notícias.
Fernando Roberto do Nascimento, que tem inscrição provisória junto à seccional de Mato Grosso da OAB, estava assistido por um advogado, mas ainda assim foi proibido de sentar-se à mesa pela juíza. Ela alegou que somente o advogado poderia ficar naquele lugar, postura que diz adotar em todas as audiências que preside e que estaria amparada pelo Estatuto dos Advogados. O jovem afirma que ficou surpreso, pois já participou de diversas audiências e até de um júri popular no Fórum de Cuiabá.
De acordo com o artigo 3º, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), o estagiário de advocacia, desde que regularmente inscrito, “pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do Regulamento Geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste”. Os atos previstos no artigo 1º são a postulação a órgãos do Judiciário e aos juizados especiais e atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Já o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB prevê, em seu artigo 29, que “os atos de advocacia, previstos no art. 1º do Estatuto, podem ser subscritos por estagiário inscrito na OAB, em conjunto com o advogado ou o defensor público”.
A decisão em que a juíza diz ter se baseado partiu de consulta sobre a possibilidade de estagiário que atue como auxiliar do réu participar de audiência de conciliação caso ocorra solicitação de uma das partes. A decisão, que teve como relator o advogado Fábio Guedes Garcia da Silveira, cita que “estagiário não orienta ninguém, pelo contrário, deve receber orientação”. Além disso, a ementa aponta que não existe previsão legal a respeito da figura do “auxiliar da parte”.

Ação de Internação Viciado em Crack Curadoria Especial Defensoria Pública Cônjuge

Ação de Internação Viciado em Crack Curadoria Especial Defensoria Pública Cônjuge
Por Jomar Martins
O juiz não pode nomear a Defensoria Pública como curadora especial de dependente químico se a ação de internação compulsória foi proposta pela esposa deste. Com tal fundamento, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento a recurso para desconstituir uma curatela na Comarca de Carazinho.
Em face da internação forçada do dependente e de indícios de sua incapacidade temporária para certos atos da vida civil, o juízo local entendeu que a nomeação de curador especial era medida necessária, a fim de evitar a potencial nulidade do feito. A previsão de incapacidade consta no artigo 4º, inciso II, do Código Civil.
A esposa pediu a reforma da decisão, por não ter sido provada a alegada incapacidade. Logo, o julgador não poderia ter aplicado ao caso a norma contida no artigo 9º do Código de Processo Civil — nomeação de curador.
O relator do recurso no TJ-RS, desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, afirmou no acórdão que a questão de fundo era saber se cabível nomear defensor público como curador especial, já que a tarefa cabe ao Ministério Público. Ou seja, o MP tem atribuição funcional de fiscalizar a correta aplicação da lei e, também, a proteção das pessoas eventualmente incapacitadas.
‘‘Portanto, mostra-se descabida a nomeação da Defensoria Pública como curadora especial de S., pois a ação está sendo proposta pela companheira e pelo filho do favorecido, que têm legitimidade para propor a ação’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão do dia 18 de setembro.

(TJRS – 0277619-61.2013.8.21.7000)

Advogados que atuam como procuradores em escrituras de inventário extrajudicial também podem atuar como assessores dos clientes

Advogados que atuam como procuradores em escrituras de inventário extrajudicial também podem atuar como assessores dos clientes

Por Gabriel Mandel

Advogados que atuam como procuradores em escrituras de inventário extrajudicial também podem atuar como assessores dos clientes. Esta é a decisão do Conselho Nacional de Justiça, que acolheu Pedido de Providência ajuizado pela Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp). A entidade pediu a revisão da redação dada ao artigo 12 da Resolução 35 do CNJ, que disciplinava a aplicação da Lei 11.441/2007 por serviços notariais e de registro, por entender que há “indevidas restrições ao exercício da advocacia”.

Relator do caso, o conselheiro Guilherme Calmon afirma que, na esfera judicial, é possível que os interessados sejam representados pelo mesmo advogado para obtenção de tutela jurisdicional na homologação de partilhas amigáveis. O mesmo, então, deve valer no que se refere à parte da escritura pública, mesmo que não seja possível a presença de um ou alguns dos interessados.

Além disso, continua o relator, a presença de mais de um advogado na parte da escritura pública não está de acordo com a intenção da Lei 11.441 no que diz respeito “à perspectiva de desjudicialização dos atos”. Guilherme Calmon diz que em caso de desvio ou descumprimento dos poderes outorgados, é possível adotar medidas para invalidar o inventário e a partilha consensual.

O pedido, corroborado em petição pela qual o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pediu ingresso como assistente, questionava a proibição da atuação como procurador e assistente por parte do advogado. Na peça, a Aasp aponta que o veto impede que o advogado de herdeiro que vive no exterior ou está em outra cidade lavre a escritura e o inventário extrajudicial sozinho. Assim, seria necessário convocar outro profissional que, afirma a Aasp, teria atuação meramente formal em diversas situações.

A associação informa que a Lei 11.441 não proíbe a participação de defensor como mandatário e assistente das partes, e a Resolução 35 não poderia criar ato infralegal. A Aasp afirma ainda que, se a proibição fosse estabelecida, seria necessário proibir os profissionais de transigir, confessar, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação e praticar outros atos de disposição de direito, mesmo que munido de poderes. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.

Clique aqui para ler o voto do relator.

Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 24 de setembro de 2013

É cabível ação rescisória contra sentença que não aplica jurisprudência pacificada do STJ

É cabível ação rescisória contra sentença que não aplica jurisprudência pacificada do STJ
A sentença rebelde, que desconsidera jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode ser desconstituída por ação rescisória. Para a Quarta Turma do STJ, a recalcitrância judiciária não pode ser referendada em detrimento da segurança jurídica, da isonomia e da efetividade da jurisdição.

“A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças”, advertiu o ministro Luis Felipe Salomão. “Definitivamente, não constitui propósito da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal (STF) a chancela da rebeldia judiciária”, ponderou.

Conforme o relator, no caso concreto, o magistrado evitou aplicar a jurisprudência estabilizada do STJ de modo deliberado, recalcitrante e vaidoso, atentando contra valores fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Jurisdição previsível

O relator citou ampla doutrina para esclarecer que a segurança jurídica deve se traduzir em leis determináveis e efeitos jurídicos previsíveis e calculáveis pelos cidadãos. Dessa forma, o conteúdo da segurança jurídica não está limitado ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, mas alcança a própria atividade jurisdicional.

“De fato, a dispersão jurisprudencial deve ser preocupação de todos e, exatamente por isso, tenho afirmado que, se a divergência de índole doutrinária é saudável e constitui importante combustível ao aprimoramento da ciência jurídica, o dissídio jurisprudencial é absolutamente indesejável”, afirmou Salomão.

“É inegável que a dispersão jurisprudencial acarreta – quando não o perecimento do próprio direito material – a desnecessária dilação recursal, com perdas irreversíveis de toda ordem ao jurisdicionado e ao aparelho judiciário”, completou.

Entendimento superado

No caso analisado, o juiz aplicou, em sentença de 2005, entendimentos tomados pelo STJ entre 1997 e 2000. Em 2004, o STJ já havia editado súmula a respeito da matéria. O ministro destacou que, contados desde a sentença rebelde, já se passaram oito anos. A ação ainda retornará ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) para que este siga julgando a rescisória.

Antes, o TJRS havia entendido que a rescisória era improcedente, à luz da Súmula 343 do STF. Pelo verbete, editado em 1963, a rescisória apresentada sob alegação de violação a literal dispositivo de lei é inviável quando o texto tiver interpretação controvertida.

Coisa julgada

Salomão apontou, porém, que o propósito da referida súmula do STF é exatamente o de acomodar a jurisprudência, evitando a relativização da coisa julgada diante de eventuais mudanças pontuais na composição da corte.

Mas, para o relator, a coisa julgada é apenas uma das manifestações da segurança jurídica, e não necessariamente a mais importante. Ele ressaltou a necessidade de privilegiar, igualmente, as demais manifestações, para que “a segurança jurídica não se transforme em mero ingrediente vulgar de peculiar versatilidade”.

O ministro anotou ainda que a “violação literal” de lei que autoriza a rescisória não é sinônimo apenas de ofensa aberrante à letra da lei. Ela alcança o direito em tese, a não aplicação de norma patente, mesmo que não conste literalmente em texto algum – concluiu o relator, referindo-se à doutrina de Barbosa Moreira. 

Processo relacionado: REsp 1.163.267

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

É incabível ajuizamento de ação rescisória sob o fundamento de alegada violação de súmula
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão da Sexta Turma, em recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que considerou não ser cabível o ajuizamento de ação rescisória sob o fundamento de alegada violação de texto de súmula.

Um segurado moveu ação para revisão de benefícios previdenciários devidos pelo INSS. O juízo de primeiro grau fixou a data do ajuizamento da ação como termo inicial da correção monetária.

Após o trânsito em julgado da sentença, o segurado ajuizou ação rescisória no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), na qual alegou que a sentença teria violado disposições de lei ao deixar de aplicar o critério previsto na súmula 71 do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR).

De acordo com essa súmula, “a correção monetária incide sobre as prestações de benefícios previdenciários em atraso, observando o critério do salário-mínimo vigente na época da liquidação da obrigação”.

Reforma

O TRF4 acolheu o pedido para reformar parcialmente a sentença e estabelecer o termo inicial da correção monetária no momento de origem da dívida.

O tribunal regional entendeu que a hipótese de violação a literal dispositivo de lei abrange a contrariedade a súmula. Além disso, considerou que a decisão de primeiro grau, ao deixar de aplicar a súmula 71 do TFR, teria causado grande prejuízo aos segurados que estavam amparados no enunciado e na legislação que lhe deu origem.

Diante dessa decisão, o INSS interpôs recurso especial no STJ, alegando que a súmula não poderia ser equiparada à lei para fins de rescisão de sentença. Na ocasião, a Sexta Turma decidiu que “a alegação de contrariedade a súmula é incabível em sede de ação rescisória fundada em violação literal de dispositivo de lei”.

Nova rescisória

Não satisfeito com a decisão que deu provimento ao recurso do INSS, o segurado ajuizou nova ação rescisória, dessa vez perante o STJ, pretendendo que a decisão da Sexta Turma fosse desconstituída e o acórdão do TRF4 confirmado, com a consequente fixação do termo inicial da correção monetária no vencimento de cada obrigação.

Sustentou que o acórdão do tribunal de segunda instância não estaria fundamentado apenas no entendimento de que a súmula 71 do TFR foi violada, mas também no pressuposto de ofensa literal à legislação que lhe deu origem e à Lei 6.899/81.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator da ação rescisória, o acórdão do recurso especial decidiu a questão de maneira fundamentada e em sintonia com a jurisprudência pacífica do STJ.

Fundamento

Ele verificou que consta expressamente no acórdão do tribunal regional que a violação da súmula 71 do TFR foi utilizada como fundamento para o reconhecimento do direito do segurado. Verificou também que o entendimento jurídico dos julgadores foi no sentido de que é cabível o ajuizamento de ação rescisória por ofensa a súmula.

Sobre a decisão no recurso especial, Bellizze afirmou: “O reconhecimento de falta de previsão legislativa para o ajuizamento de ação rescisória sob o argumento de violação de súmula é medida que está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, não se tratando, portanto, de decisão que de modo flagrante e inequívoco fere texto literal de lei.”

A Terceira Seção julgou o pedido improcedente e condenou o autor ao pagamento de honorários, fixados em 10% sobre o valor da causa. 
STJ - AR 4112

Ação de paternidade não pode ser interrompida

Ação de paternidade não pode ser interrompida
Por Jomar Martins
A ação investigatória de paternidade, uma vez iniciada, não pode ser interrompida nem pela mãe da criança, dada a natureza indisponível do direito em questão. Foi o que decidiu a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter decisão que negou a uma mãe o pedido de desistência do processo, que tramita há três anos na comarca de Canoas.
A mãe alegou que não tem mais interesse no reconhecimento de paternidade, já que o suposto pai não compareceu nem irá comparecer para fazer o exame de DNA. Ela afirma que ele é viciado em drogas e anda perambulando pelas ruas.
O relator do recurso, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, explicou no acórdão que o direito de reconhecimento do estado de filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível, conforme o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).
Desse modo, continuou, após a propositura da ação de investigação de paternidade, não se pode conferir a terceiro — ainda que representante legal da autora da ação, como no caso — a possibilidade de desistir do pedido formulado. Em síntese: o desfecho do processo é de grande relevância para o futuro da criança, cujo interesse superior deve ser resguardado.
"Flagrante o prejuízo que pode advir à menor se for permitida a desistência da ação pleiteada por sua genitora, é imperativo o prosseguimento do feito, inclusive sendo possível e recomendável a nomeação de curador especial à demandante, ante o conflito de interesses configurado entre ela e sua representante legal’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão do dia 29 de agosto.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGANTE MENOR DE IDADE, REPRESENTADA POR SUA GENITORA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO INDISPONÍVEL E PERSONALÍSSIMO. 1. O direito ao conhecimento da origem genética tem sua sede no direito de personalidade, de que toda pessoa humana é titular. Ademais, nos termos do art. 27 da Lei n.º 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito de reconhecimento do estado de filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível. 2. Após a propositura da ação de investigação de paternidade, não se pode conferir a terceiro –ainda que representante legal da autora da ação, como no caso – a possibilidade de desistir do pedido formulado, em razão da natureza indisponível e do caráter personalíssimo do direito posto em causa. Assim, é imperativo o prosseguimento do feito, sendo recomendável a nomeação de curador especial à autora, ante o conflito de interesses instaurado entre ela e sua representante legal. Conclusão nº 19 do Centro de Estudos deste Tribunal de Justiça. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME” (TJRS – 8ª Câmara Cível – AI 0234526-48.2013.8.21.7000 – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 29 de agosto de 2013)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

XIII Jornada do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON.

XIII Jornada do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON.
O evento, organizado pelo prof. Guilherme Martins e pela profª Fabiana Barletta, ocorrerá  no Salão Nobre da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), nos dias 3 e 4 de outubro. As inscrições são feitas on line no site WWW.brasilcon.org.br


Recurso Excepcional Extraordinário Admissibilidade Repercussão Geral Cabimento

Recurso Excepcional Extraordinário Admissibilidade Repercussão Geral Cabimento

“2. A repercussão geral como novel requisito constitucional de admissibilidade do recurso extraordinário demanda que o reclamante demonstre, fundamentadamente, que aindignação extrema encarta questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa (artigo 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 11.418/06, verbis: O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência de repercussão geral). 
3. O recorrente deve demonstrar a existência de repercussão geral nos termos previstos em lei. Nesse sentido, AI 731.924/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, e AI 812.378-AgR/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Plenário. 
4. O momento processual oportuno para a demonstração das questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos das partes é em tópico exclusivo, devidamente fundamentado, no recurso extraordinário, e não nas razões do agravo regimental, como deseja a agravante. Incide, aqui, o óbice da preclusão consumativa” 
(STF – 1ª Turma – ARE 744645 AgR – Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 20/08/2013)

domingo, 22 de setembro de 2013

Ação Coletiva Civil Pública Legitimidade Social Defensoria Pública Desvinculação Condição Econômica Interessados

Ação Coletiva Civil Pública Legitimidade Social Defensoria Pública Desvinculação Condição Econômica Interessados
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): “Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105IIIa, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado:
ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE EM VIRTUDE DA DESVINCULAÇAO DA DEFESA DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS.
Ainda que a Lei nº 11.448/07 tenha elencado a Defensoria como legitimada a propor a Ação Civil Pública, sem fazer menção aos economicamente hipossuficientes, tal circunstância não afasta a delimitação, à que está submetida à Defensoria, de defender os interesses dos necessitados. Não cabe à Instituição defender interesses coletivos e individuais homogêneos de candidatos em processo seletivo de transferência entre universidades, na medida em que não são pessoas hipossuficientes economicamente, fato que arreda a atuação da Defensoria Pública (fl. 164)
Os Embargos de Declaração não foram acolhidos (fls. 174-178/STJ).
A recorrente sustenta que houve, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts.  da Lei 7.347/1985 e  da LC 80/1994. Afirma que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública com o escopo de questionar a legalidade do processo seletivo de transferência voluntária da UFCSPA (realizada no ano de 2009) de alunos que não tenham prestado o Enem. Aduz que o art.  da Lei7347/1985 não condiciona a atuação da Defensoria apenas em casos de interesses de hipossuficientes, e que, nos autos, é inaferível o número de inseridos nessa categoria que poderiam se beneficiar da tutela almejada.
Contraminuta apresentada às fls. 198-209/STJ.
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do recurso (fls. 226-235).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.264.116 - RS (2011/0156529-9)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se na origem de insurgência da Defensoria contra regra prevista em edital de processo seletivo de transferência voluntária da UFCSPA, ano 2009, que previu como condição essencial para inscrição de interessados e critério de cálculo da ordem classificatória a participação no Enem, exigindo nota média mínima.
O acórdão recorrido, por sua vez, reproduziu as seguintes premissas da sentença excelentemente bem fundamentada e erudita, da lavra da Doutora Ana Inês Algorta Latorre para rejeitar a pretensão da Defensoria Pública:
a) ao contrário do que ocorre nas ações individuais, nas quais a Defensoria pode atuar em todas as áreas, desde que a parte seja hipossuficiente, o órgão tem legitimidade para propor Ação Civil Pública somente nas hipóteses do art. VII e XI, da LC80/1994 (proteção do consumidor ou da criança e do adolescente);
b) nos termos do art.  da LACP, a Ação Civil Pública destina-se exclusivamente à proteção de interesses difusos e coletivos, mas não de individuais homogêneos;
c) o caso não versa sobre relação de consumo ("inserção de interessados no processo seletivo de transferência entre Universidades que não tenham participado do ENEM"): "não se tratando de consumidores de produtos ou serviços, todos os que se inscreverem para o processo seletivo, sujeitaram-se às regras do respectivo Edital,sendo, portanto, titulares de um direito individual homogêneo perante a AdministraçãoPública, diante de eventual prejuízo a que se sintam submetidos. Socorrendo-nos dosensinamentos de Barbosa Moreira, somente seria acidentalmente coletivo, no caso em exame, se se tratasse de direito decorrente de uma relação de consumo, emboramantendo-se a natureza de direito individual homogêneo; porém, de qualquer formasuscetível de tutela coletiva por expressa autorização legal (exegese do art. 1º, II, daLei nº 7.345/85 c/c art. 81, 1º, III, da Lei nº 8.078/90)".
Com a devida vênia, deve ser afastada a interpretação proposta.
1. Direito à educação
O direito à educação , responsabilidade do Estado e da família (art. 205, da Constituição Federal), é garantia de natureza universal e de resultado , orientada ao"pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade" (art.13 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais , adotadopela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de1966, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 226, de 12de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto 591, de 7 de julho de 1992), daí nãopoder sofrer limitação no plano do exercício, nem da implementação administrativa oujudicial.
Como precisamente indica Luciano Mariz Maia, "as obrigações dos Estados sã classificadas em obrigações de conduta e obrigações de resultado", e estas últimas "tornam obrigatória a adoção de parâmetros e referências, para avaliar se as medidas adotadas e as políticas públicas conduzidas estão, efetivamente, assegurando a realização do direito garantido" ( Educação em direitos humanos e tratadosinternacionais de direitos humanos , in Rosa Maria Godoy Silveira e t alii ,coordenadoras, Educação em Direitos Humanos: Fundamentos Teórico-Metodológicos , João Pessoa, Editora Universitária, 2007, p. 89). Ora, nesse quadro de garantia de fundo e não só de expressão formal ou retórica, ao juiz, mais do que a ninguém, compete zelar pela plena eficácia substantiva e processual do direito àeducação, que, repita-se, é de resultado, sendo incompatível com essa sua missão tão nobre e indeclinável interpretar de maneira restritiva as normas que o asseguramnacional e internacionalmente.
2. Defensoria Pública na Ação Civil Pública
Por espelhar e traduzir exemplarmente as marcas identificadoras do Welfare State , que está baseado nos princípios da solidariedade , da dignidade da pessoa humana e da efetiva igualdade de oportunidades , inclusive de acesso à Justiça, a Defensoria Pública instituição altruísta por excelência é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput , da Constituição Federal.
A rigor, mormente em países de grande desigualdade social, em que a largas parcelas da população aos pobres sobretudo se nega acesso genuíno ao Judiciário, como ocorre infelizmente no Brasil, seria impróprio falar em verdadeiro Estado de Direito sem a existência de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada, conhecida de todos e por todos respeitada, capaz de atender aos necessitados da maneira mais profissional e eficaz possível.
A expressão "necessitados" (art. 134, caput , da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros os miseráveis e pobres , os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, "necessitem" da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State , um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana.
Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos, não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Basta um juízo abstrato , em tese, acerca da extensão subjetiva da prestação jurisdicional, isto é, da sua capacidade defavorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, osdesamparados, os hipervulneráveis.
A ser diferente, bastaria ao universo dos sujeitos beneficiados incluir, direta ou reflexamente, um só abonado ou ricaço para a tutela solidarista ser negada acentenas ou milhares de necessitados, deixando-os à mingua diante de graves lesões de natureza supraindividual. Nesse sentido, já decidiu o STJ que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro "tem legitimidade ativa para propor ação civil públicaobjetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiramcontratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, comcláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial" (REsp 555.111/RJ, Rel.Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJe 18.12.2006).
Objeto da presente demanda, o direito à Educação é considerado questão da mais alta relevância, capaz de justificar a propositura da Ação Civil Pública, até mesmo pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitosindividuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda dacriança e do idoso.
Em verdade, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sens u ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legitimidade ad causam não se guia, no essencial,pelas características ou perfil do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pelanatureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, osnecessitados (= critério subjetivo), perspectiva essa que fez com que precedente doSTJ ampliasse essa legitimidade para o ancho campo da dignidade humana: "alegitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesade interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo doadvento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que sepretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar adignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitosfundamentais " (REsp 1.106.515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, PrimeiraTurma, DJe 2.2.2011, grifei).
3. Jurisprudência do STJ
É vasta a jurisprudência desta Corte, que outorga aos legitimados pela Lei 7.347/85 a propositura de Ação Civil Pública para a proteção de interesse individual homogêneo :
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DA COFINS E DO PIS AOS CONSUMIDORES DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇAO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NATUREZA DA AÇAO CONSUMERISTA.
1. Cinge-se a controvérsia à legitimidade ativa do Ministério Público Federal para ajuizar ação civil pública questionando a legalidade do repasse do custo de PIS e COFINS aos usuários de serviços de telecomunicações.
2. O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos. Precedentes: REsp 769.326/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15.9.2009, DJe 24.9.2009 ; REsp 700.206/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 9.3.2010, DJe 19.3.2010.
Agravos regimentais improvidos. (AgRg no AgRg no REsp 1167377/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 03/05/2011).
PROCESSUAL CIVIL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA POR SERVIÇOS NAO SOLICITADOS. VIOLAÇAO DO ART. 535 DO CPC NAO CONFIGURADA.
ANTECIPAÇAO DE TUTELA. REQUISITOS. SÚMULA 7/STJ. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS HOMOGÊNEOS DOS CONSUMIDORES.
INTERVENÇAO DA ANATEL COMO LITISCONSORTE PASSIVO. DESNECESSIDADE.
(...)
4. O Ministério Público possui legitimidade ativa para promover a defesa dos direitos difusos ou coletivos dos consumidores, e de seus interesses ou direitos individuais homogêneos, inclusive no que se refere à prestação de serviços públicos, haja vista a presunção de relevância da questão para a coletividade. Precedentes do STJ.
(...)
6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1150965/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 25/4/2011).
Destaco ainda que o tema da Educação , mote da presente discussão, é considerado de máxima relevância e interesse social, capaz, por si só, de justificar a propositura de Ação Civil Pública:
PROCESSUAL CIVIL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. VESTIBULAR. LIMITAÇAO DO NÚMERO DE CONCESSÕES DE ISENÇAO DE TAXAS PARA EXAME EM UNIVERSIDADES FEDERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. A jurisprudência desta Corte vem se sedimentando em favor da legitimidade ministerial para promover ação civil pública visando a defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação, apenas para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito em si considerado. Precedentes.
2. Oportuno notar que é evidente que a Constituição da República não poderia aludir, no art. 129, inc. II, a categoria dos interesses individuais homogêneos, que só foi criada pela lei consumerista. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou o tema e, adotando a dicção constitucional em sentido mais amplo, posicionou-se a favor da legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública para proteção dosmencionados direitos.
3. No presente caso, pelo objeto litigioso deduzido pelo Ministério Público (causa de pedir e pedido), o que se tem é pretensão de tutela de um bem divisível de um grupo: a suposta invalidade da limitação do número de concessões de isenção de taxas para exame vestibular de universidades federais em Pernambuco. Assim, atua o Ministério Público em defesa de típico direito individual homogêneo, por meio da ação civil pública, em contraposição à técnica tradicional de solução atomizada, a qual se justifica não só por dizer respeito à educação, interesse social relevante, mas sobretudo para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia processual), quesobrecarregam o Judiciário, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas.
4. Nesse sentido, é patente a legitimidade ministerial, seja em razão da proteção contra eventual lesão ao interesse social relevante de um grupo de consumidores ou da massificação do conflito.
5. Recurso especial provido. (REsp 1225010/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15/3/2011).
Anoto ainda que o caso dos autos não diz respeito ao pagamento de taxa, tal como exposto no acórdão recorrido (o que ainda assim justificaria a utilização da via, nos termos do precedente acima mencionado), mas sim à participação em processoseletivo de transferência voluntária de universidade, o que acirra a relevância dointeresse em debate.
Superados os óbices em relação à via utilizada, não há limitação imposta à Defensoria Pública para a tutela de interesse individual homogêneo, por meio de Ação Civil Pública, relacionado com a educação. A jurisprudência desta Corte vem seconsolidando no sentido de que a inclusão da entidade como legitimada ativa para apropositura da Ação Civil Pública faz parte de mudanças no arcabouço jurídico-processual com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. XXXV, da CF.
Cito trechos de acórdão pertinente, acima referido:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇAO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇAO AOS DIREITOSTRANSINDIVIDUAIS. AÇAO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇAO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NAO PROVIDO.
1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o acesso à justiça (art. XXXV, da CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica justa).
2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC).
3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que "A nova ordem constitucional erigiu um autêntico"concurso de ações"entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instrumento processual por excelência para a sua defesa.
4. A Lei 11.448/07 alterou o art.  da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. XXXV, da CF.
5. In casu , para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. XXXV, da CF.
6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais.
7. Recurso especial não provido. (REsp 1106515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2/2/2011).
No mais, acolho o entendimento de que, para a atuação da Defensoria Pública na Ação Civil Pública, basta que apenas parte dos beneficiários se enquadre na classe dos necessitados, porque, a se entender diversamente, vale dizer, a exigir-seexclusividade da titularidade destes em relação aos interesses e direitos objeto dademanda coletiva, o resultado seria, de direito e de fato, negar a ampla, imprescindívele efetiva tutela judicial a pretensões legítimas do infelizmente vasto universo de"carentes de justiça" do País. Algo incompatível com a marca da "eficiência" e da"instrumentalidade", que, segundo a lição abalizada de Ada Pellegrini Grinover, norteia nossa processualística civil atual, recheada que está de "esquemas e modelosprocessuais capazes de reconduzir o processo à necessária aderência à realidade e de resgatar seus princípios e suas finalidades primordiais, em face das novas exigências" ( Acesso à Justiça e garantias constitucionais no processo do consumidor , in Sálvio de Figueiredo Teixeira, As Garantias do Cidadão na Justiça , São Paulo, Saraiva, 1993, p. 307). Novas exigências de caráter ético-social, mas precipuamente novas imposições de uma ordem constitucional que não se conforma com a proteção processual retórica dos sujeitos vulneráveis.
Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial para reconhecer a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública em questão.
É como voto”
(STJ, REsp 1264116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012).

Cumulação de pedidos em ação rescisória

Cumulação de pedidos em ação rescisória

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA – CONTRATO DE PARCERIA RURAL - "VACA PAPEL" - PRELIMINAR DE MÉRITO - ART. 535 , INCISO II , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - Omissão não configurada -ART. 485 , INCISO II , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - 

COMPETÊNCIA DO JUÍZO QUE PROFERIU O JULGADO RESCINDENDO - A prevenção diz respeito a critério de modificação de competência, de natureza relativa,portanto, insuscetível de rediscussão em sede de ação rescisória -ART. 485 , INCISO V , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - Não configura inversão do ônus da prova se, ao contrário do agravante, a outra parte produz prova suficiente para embasar suas alegações no sentido de comprovar a simulação da parceria pecuária - Incidência da Súmula 283 /STF, por analogia – PRESCRIÇÃO DE ATO ANULÁVEL - Conclusão do r. Juízo que proferiu o acórdão rescindendo com base em entendimento jurisprudencial controvertido -Súmula 343 /STF, aplicável ao caso - 

LEGITIMIDADE ATIVA E CARÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO DOS AGRAVADOS - Hipótese de nulidade do negócio jurídico, nos termos do julgado rescindendo - Possibilidade das partes contratantes pleitearem a anulação do contrato de parceria pecuária amparando-se na ocorrência de simulação - Precedentes -ART. 485 , INCISO IX , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ERRO DE FATO - A viabilidade da ação rescisória sob a alegação da ocorrência de "erro de fato" pressupõe a ignorância pelo Julgador do suposto erro, contudo, a manifestação judicial acerca da natureza jurídica do contrato de parceria pecuária afasta tal hipótese - Erro de fato não configurado - ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA - Pretensão de incidência do IPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor - Adota-se o INPC como índice de correção monetária, após a edição da Lei 8.177 /91 -RECURSO IMPROVIDO” 
(STJ – AgRg no RESP 1190126/MS, p. em 29/09/2011)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Querela nullitatis insanabilis (ação declaratória de inexistência de sentença) na coisa julgada inconstitucional

Querela nullitatis insanabilis (ação declaratória de inexistência de sentença) na coisa julgada inconstitucional
Guilherme Fortes Monteiro de Castro


Resumo: O presente estudo visa analisar o instituto da Querela Nullitatis Insanabilis, ou ação declaratória de nulidade insanável que, apesar de ter origem no Direito Medieval, ainda sobrevive no Direito Processual brasileiro. Adentraremos no universo de alguns atos processuais, como: citação e rescisória. Por fim, mostraremos as razões da permanência da querela nullitatis insanabilis em nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Querela Nullitatis insanabilis. Ação declaratória de inexistência de sentença. Direito processual.
1 APRESENTAÇÃO
Estabelece o sistema jurídico brasileiro, constitucionalmente através do art. 5º XXXVI da CF, a garantia da coisa julgada. Torna definitiva e imutável a sentença proferida que não caiba mais recurso ordinário ou extraordinário (art. 467 do CPC). Fundamental é esta disposição, para a manutenção da segurança jurídica. Porém, isto não garante, em absoluto, que a coisa julgada não esteja sujeita a desconstituição. O mesmo sistema que garante esta imutabilidade prevê hipóteses excepcionais para sua desconstituição. São hipóteses legais: Ação rescisória e a ação anulatória. Existe ainda uma hipótese não prevista na legislação brasileira, porém, recepcionada pelos tribunais, que é a ação declaratória de inexistência de sentença.
O presente estudo dará ênfase à primeira hipótese legal demonstrada, qual seja, ação rescisória, e a hipótese sem previsão legal, porém aceita no ordenamento jurídico brasileiro, que é a ação declaratória de inexistência de sentença (querela nullitatis insanabilis)
Ao examinar as fases processuais, por vezes nos deparamos com atos viciados capazes de contaminar todo o processo. O ato de citar o réu de maneira inadequada, por exemplo, produzirá efeitos em todo o processo. A sentença não poderá surtir efeitos, visto que a citação, primeiro ato processual com participação do réu, está viciada, errada. A  querela nullitatis insanabilis tem o objetivo de sanar tais vícios, ora considerados insanáveis, tornando a sentença inexistente em razão de um defeito pré-concebido, e que por isso contaminou todos os demais atos processuais.
2 - QUERELA NULLITATIS INSANABILIS – BREVE HISTÓRICO
O primeiro registro da querela nullitatis está marcado no direito romano. Em princípio, eram duas espécies dequerela, sendo elas: nullitatis sanabilis e nullitatis insanabilis. A primeira (sanabilis), com o passar dos tempos, fundiu-se com os recursos de apelação, vista a possibilidade de saneamento dos vícios de menor gravidade. Já a segunda (insanabilis), com vícios não passíveis de convalidação, muito em razão da gravidade, permanece em nosso ordenamento jurídico, passando a figurar na ação declaratória de inexistência de sentença.
Sabe-se que a origem da querela nullitatis também está ligada à sentença laica e canônica, sendo a primeira mais estável do que a segunda, com meios próprios para impugná-la mais vastos do que aqueles vistos no ordenamento civil, especialmente no que se diz em relação a prazos.
A sobrevivência da querela nullitatis insanabilis em nosso ordenamento jurídico, mesmo sem previsão legal, se dá em razão da carência de ações próprias, capazes de sanar vícios considerados insanáveis. Dentre os defeitos capazes de tornar a sentença inexistente, temos: Vício na citação,  surgimento de uma nova prova após o prazo decadencial da rescisória, afronta direta a princípios constitucionais, etc.
Neste sentido, é o posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça brasileiro:
"PROCESSUAL CIVIL - NULIDADE DA CITAÇÃO (INEXISTÊNCIA) - QUERELA NULLITATIS. I - A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso.
II - Recurso não conhecido." (REsp 12.586/SP, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER , DJU de 04.11.1991)
3 -TERMINOLOGIA
É comum que os termos nulidade e inexistência sejam dados como equivalentes pelos doutrinadores. Fato é que, apesar de ter a ação origem no Direito Romano, a distinção dos termos é matéria recente no universo jurídico brasileiro.
Literalmente, temos como definição das palavras citadas: “NULIDADE: 1. Qualidade de nulo. 2. Falta de validez.5. Insignificância. 6. incapacidade. INEXISTÊNCIA: 1. Não existência. 2. Falta, carência.”1
Juridicamente, ato nulo é o “Ato desprovido de requisitos substanciais ou que fere a norma jurídica, sendo inquinado de ineficácia absoluta” e Ato inexistente é aquele que “não constitui um ato propriamente dito, de vez que a própria expressão ato inexistente constitui uma contradictio in adiectio”2.
Esta confusão em relação à querela se dá em razão do termo nullitatis, que nos remete ao entendimento equivocado de “nulidade”, ou ação que objetiva atacar sentenças nulas. O correto é referir-se ao termo “nullitatis” no sentido de inexistência, ação que objetiva atacar sentenças inexistentes.
Como se não bastasse o impasse doutrinário a respeito da definição e utilização do termo, o próprio Tribunal equivoca-se quanto à terminologia, vejamos:
“Não se conhece de agravo retido nos autos se a parte não requer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal. É irrelevante o nomem juris atribuído à actio, podendo a ação anulatória de ato jurídico ser apreciada como declaratória de nulidade (querela nullitatis) se a causa é fundada na ausência de citação, pois o essencial é a pretensão jurídica e a narrativa fática da inicial, prestigiando-se o brocardo narra mihi factum dabo tibi jus. Ação declaratória de nulidade por vício de citação é imprescritível, uma vez que a sentença não transita em julgado em razão de inexistir formação válida da relação processual. A falta de autenticação de cópia de documento é insignificante se não há impugnação de seu conteúdo. É nula, de pleno direito, a sentença proferida em ação de usucapião em que não foi citado aquele que possui o registro de imóvel sobreposto pela área usucapida (AC 41437 SC 2006.004143-7)”.
Esta distinção é indispensável, já que a ação rescisória é a ação adequada para atacar sentenças nulas, desde que observado o prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença, e as sentenças inexistentes poderão ser declaradas ou atacadas a qualquer tempo pela ação declaratória de inexistência de sentença.
Diante de tudo aquilo que foi exposto acima e daquilo que passará a ser demonstrado, é certo que o termo correto a ser utilizado para definir a querela nullitatis insanabilis é ação declaratória de inexistência de sentença.
4 -CITAÇÃO
Como dito anteriormente, a citação é o primeiro ato processual com a participação do réu; é o momento em que ele toma ciência de que há uma ação correndo em seu desfavor. Trata-se de um ato formal, onde se documenta a comunicação efetuada ao sujeito passivo da relação processual. É a partir daí que se iniciam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Assim, o CPC, através do artigo 213, conceitua citação: “Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.”
Sob o aspecto legal, não há de se falar em processo sem a citação. Assim expõe o artigo 214 do Código de Processo Civil:“Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.”
São quatro as modalidades de citação enumeradas no artigo 221 do Código de Processo Civil: via correio; por oficial de justiça; por edital e por meio eletrônico.
4.1CITAÇÃO VIA CORREIO
A citação via correio, é a forma mais comum utilizada pelo direito processual brasileiro. É assim feita para qualquer comarca do país, sendo a citação na modalidade real. Apesar de ser a mais utilizada em nosso direito processual, a citação por correio é restringida em algumas situações pelo próprio CPC:
“Art. 222. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas ações de estado;
b) quando for ré pessoa incapaz;
c) quando for ré pessoa de direito público;
d) nos processos de execução;
e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;
f) quando o autor a requerer de outra forma.”
4.2 - CITAÇÃO POR OFICIAL DE JUSTIÇA
A citação por oficial de justiça será utilizada nas ressalvas da citação pelo correio, supracitadas, ou quando frustrada.
O mandado de citação deverá conter todos os requisitos expressos no artigo 225 do CPC, sendo eles:
“Art. 225. O mandado, que o oficial de justiça tiver de cumprir, deverá conter:
I - os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências;
II - o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência a que se refere o art. 285, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis;
III - a cominação, se houver;
IV - o dia, hora e lugar do comparecimento;
V - a cópia do despacho; 
VI - o prazo para defesa;
VII - a assinatura do escrivão e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.
Parágrafo único. O mandado poderá ser em breve relatório, quando o autor entregar em cartório, com a petição inicial, tantas cópias desta quantos forem os réus; caso em que as cópias, depois de conferidas com o original, farão parte integrante do mandado.”
Efetivada a citação por oficial de justiça, dar-se-á por completo o primeiro ato processual com a participação do réu.
4.3 - CITAÇÃO POR EDITAL
Far-se-á a citação por edital quando:
“Art. 231. Far-se-á a citação por edital:
I - quando desconhecido ou incerto o réu;
II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar;
III - nos casos expressos em lei.
§ 1o Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.
§ 2o No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.”
Apesar de ser a modalidade menos utilizada no dia-a-dia, é na citação por edital onde se aponta o maior número de defeitos. Comumente, a parte que requer a citação por edital a fim de alcançar a revelia alega, dolosamente, que o domicílio do réu é desconhecido ou incerto.
Ensina-nos, Theotonio Negrão3, que será “nula a citação por edital se previamente não foram esgotados todos os meios possíveis para a localização do réu (JTA 121/354)"
4.4 - CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO
A citação por meio eletrônico é a modalidade mais recente prevista no CPC. Sua previsão legal está no artigo 221, inciso IV do CPC e regulado pela Lei nº11.419/06.
Para que seja válida a citação por meio eletrônico, deverão ser atendidos dois requisitos básicos legais: a) prévio cadastro de usuário do portal próprio do Poder Judiciário; b) acesso à íntegra dos autos pelo citado. Na falta de algum dos requisitos, ou mesmo que algum esteja incompleto ou errado, considerará defeituosa a citação.
Por ser recente (2006), a citação por meio eletrônico ainda é uma modalidade pouco utilizada nos dias de hoje.
Demonstradas todas as modalidades de citação, vale frisar que sendo inválida, nula ou inexistente, todo o processo estará viciado, pois não ciente de que tenha uma ação a seu desfavor, o réu não poderá exercer o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, tornando assim a sentença inexistente de plano direito.
Nesse mesmo sentido,  leciona Cândido Rangel Dinamarco4:
"[...] Considerada toda essa importância política e sistemática da citação, solenemente a lei a declara indispensável para a validade do processo (art. 21, caput). À falta dela, o processo todo será viciado, inclusive o ato final consistente na sentença de mérito (processo de conhecimento) ou entrega do bem (execução).”
Assim também é  entendimento dos renomados professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery5:
"3. Pressuposto processual de validade. Uma vez realizada, o sistema exige que a citação tenha sido feita validamente. Assim, a citação válida é pressuposto de validade da relação processual. Em suma: a realização da citação é pressuposto de existência e a citação válida é pressuposto de regularidade da relação processual. Em suma, pressuposto de validade da relação processual: citação válida"
5 - QUERELA NULLITATIS NA CITAÇÃO VICIADA
Como dito anteriormente, Querela nullitatis insanabilis é, a grosso modo, uma ação declaratória de inexistência de sentença. Encontra-se neste instituto um instrumento capaz de solucionar vícios insanáveis que afetam todo o processo.
Sendo inválida a citação, todo o processo estará viciado. Não há  possibilidade nem cabimento  dar prosseguimento ao processo, já que um dos atos mais indispensáveis está viciado. A citação é o ato em que o réu é chamado ao processo, é o momento em que ele toma ciência da existência de uma ação em seu desfavor. Por isso, esta deve estar em perfeita sintonia com o processo e desprovida de defeitos.
São encontrados muitos defeitos nas citações, algumas dolosas pela parte, e outras simplesmente defeituosas desde sua formulação, como seria o caso da citação por meio eletrônico com a ausência de algum dos requisitos legais. A citação por edital, com um rol taxativo de possibilidades de utilização, é um dos que demonstram uma maior quantidade de vícios, estes que perduram, por vezes, até a sentença, tornando-a viciada e, em consequência, inexistente.
A querela nullitatis insanabilis, é uma maneira pouco utilizada, porém eficaz no saneamento de tais vícios. Este é o entendimento jurisprudencial e doutrinário. Diz-nos Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo6
“É dizer: a tese da querela nullitatis insanabilis sobrevive no direito brasileiro? Dúvida não há, nesse sentido, no que concerne à ação em que a citação do réu não ocorreu ou ainda se deu em circunstância de manifesta nulidade (v.g., para o primeiro caso, a ação de usucapião em que confrontante conhecido ou a pessoa em nome de quem o imóvel está registrado não foi citada e, para o segundo, citação de menor, conhecido seu tutor ou curador)”
Neste mesmo sentido é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região:
“QUERELA NULLITATIS. CABIMENTO.
Pretendendo-se extirpar do mundo jurídico uma sentença judicial por vício insanável comprometedor da sua própria existência, como na hipótese da inobservância do disposto no art. 47 do CPC, a doutrina admite a propositura de ação declaratória, a qual denomina de querela nullitatis, com amparo no art. 4º, I, do CPC. Recurso ordinário conhecido e provido. (RO 954200900410000 DF 00954-2009-004-10-00-0 )”
Por fim, comunga este entendimento o nosso Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“Ação declaratória de nulidade de Sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida.
1.    Para a hipótese prevista no artigo 741, I do atual CPC – que e a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia – persiste, no direito positivo brasileiro – a “querela nullitatis”, o que implica dizer que a nulidade da sentença, neste caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que em rigor, não é cabível para essa hipótese(RE 97589 SC)”
6 - AÇÃO RESCISÓRIA
Ação rescisória é uma ação autônoma que objetiva desfazer efeitos da sentença já transitada em julgado, ou seja, aquela que não caiba mais nenhum tipo de recurso, visando um vício existente que a torne anulável.
Para alguns, a ação rescisória tem natureza desconstitutiva (tira os efeitos de uma outra decisão que está vigorando). Para outros, a natureza da ação é declaratória de nulidade da sentença (reconhecer, através dos vícios apresentados, que a sentença não poderá surtir efeitos).
A ação rescisória visa, tão somente, atingir aquelas sentenças anuláveis, que serão sanadas desde que dentro do prazo decadencial para sua propositura.
O rol de admissibilidade da ação rescisória pelo CPC é bastante enxuto e taxativo, sendo ele exposto através do Artigo 485 do CPC:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.”
A ação rescisória é de competência dos Tribunais Superiores. Ensina-nos Luiz Rodrigues Wambier7:
”A ação rescisória é de competência originária do segundo grau de jurisdição. É, portanto, demanda intentada diretamente nos tribunais de segundo grau, com exceção dos casos em que a competência cabe aos tribunais superiores STF e STJ.”
7AÇÃO RESCISÓRIA X QUERELA NULLITATIS
Ação rescisória é uma ação autônoma que visa desconstituir os efeitos da sentença depois de transitado em julgado, ou seja, para aquelas sentenças que não caibam mais recursos e que tenham algum vício que poderá torná-la anulável. Sua natureza é desconstitutiva ou declaratória de nulidade de sentença.
O prazo decadencial será de dois anos após o trânsito em julgado da decisão que se pretende atacar, rescindir. Diz-nos o artigo 495 do código de processo civil: “Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”.
A ação rescisória se difere da querela nullitatis insanabilis, basicamente, no que se refere ao prazo decadencial, prescricional e cabimento.
A primeira distinção, ou seja, o prazo decadencial, deverá a ação rescisória ser proposta no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença a ser atacada (art. 495 do CPC). Já a querela nullitatis, não segue este mesmo rito, podendo ser proposta a qualquer tempo, já que não é sujeita à decadência nem à prescrição.
Em relação às hipóteses de cabimento, a ação rescisória está adstrita a aquele rol enumerado pelo artigo 485 do CPC e a querela nullitatis tem o “poder” de suprir qualquer vício, desde que emanado de matéria constitucional.
8. CABIMENTO
Como em toda matéria jurídica, grandes conflitos são uma constante, logo, na matéria aqui abordada não poderia ser diferente. Grande parte deste conflito se dá pela falta de previsão legal em nosso ordenamento jurídico acerca da matéria tratada.
Desde já, é importante ressaltar a diversidade de entendimentos sobre o cabimento da Querela Nullitatis insanabilis. Há aqueles que acham que a querela nullitatis será admitida em diversas situações, em contrapartida, alguns admitem um rol mais enxuto de possibilidades de cabimento. Porém, dentre todos estes entendimentos, uma coisa é certa e pacífica: A Querela nullitatis, apesar de não ter previsão legal expressa, é cabível em nosso sistema jurídico.
Tereza Arruda Alvim Wambier8 aponta a existência de uma íntima relação entre coisa julgada e rescindibilidade da sentença. Somente sentenças transitadas em julgado podem ser atacadas, nos termos do artigo 485 do CPC. Por outro lado, diz a Professora que sentenças inexistentes por natureza em hipótese alguma transitam em julgado. Sendo assim, nessa situação, é cabível a ação declaratória de inexistência de sentença.
Cita, Tereza Arruda Alvim algumas possibilidades de cabimento, sendo elas:
“a) sentenças com ausência de decisório;
b) sentenças proferidas em processos instaurados por meio de uma ação, faltando uma de sua condições;
c) sentenças em que teria a citação nula aliada à revelia;
d) sentenças em que não tenha citado litisconsórcio necessário unitário;
e) sentenças que não contenham assinatura do Juiz ou não estejam escritas.”
Compõe o rol dos tratantes que apontam uma possibilidade de aplicação mais enxuta, Roque Komatsu9. Diz o referido autor que a sentença inexistente não precisa ser rescindida, pois não se convalida pela “res judicata”, diferentemente das causas de nulidade e anulabilidade.  Cita as hipóteses do artigo 37, parágrafo único do CPC e de inexistência de citação no processo em que proferida a sentença, como hipóteses de cabimento da querelas nullitatis.
Existe ainda um entendimento no sentido de que seria mais apropriada uma interpretação mais extensiva do artigo 495 do CPC, fazendo assim com que a ação rescisória, quando tratar de matéria constitucional, possa perfeitamente dispensar a aplicação do prazo referido no artigo supracitado.
Sendo a ação rescisória um meio que objetiva desconstituir uma decisão judicial transitada em julgado que contenha defeitos, ou seja, que esteja comprometida em razão de um vício existente, em um grau capaz de expor o processo a um nível de imperfeição que poderá torná-lo impossibilitado de permanecer na esfera jurídica, não poderá ser usada a qualquer modo, devendo seguir pressupostos indispensáveis que são: Sentença de mérito transitada em julgado e invocação de algum dos motivos previstos no artigo 485 do CPC. Como as decisões inconstitucionais são sentenças consideradas inexistentes, sem aptidão para gerar coisa julgada, não caberá  ação rescisória em razão do primeiro pressuposto acima citado, este que exige a sentença de mérito transitada em julgado.
Neste sentido ensina-nos Tereza Arruda Alvim10:
"na esteira do que entende a doutrina mais qualificada e felizmente boa parte da jurisprudência, estas sentenças não têm aptidão para transitar em julgado e, portanto, não devem ser objeto de ação rescisória, já que não está presente o primeiro dos pressupostos de cabimento daquela ação: sentença de mérito transitada em julgado. Em nosso entender, pode-se pretender, em juízo, a declaração no sentido de que aquele ato se consubstancia em sentença juridicamente inexistente por meio de ação de rito ordinário, cuja propositura não se sujeita à limitação temporal".
Portanto, quando a matéria a ser atacada for objeto constitucional, não há de se falar em ação rescisória, eis que ausente o primeiro pressuposto. A querela nullitatis torna-se o meio mais adequado para desconstituir estas decisões inconstitucionais inexistentes, a qualquer tempo.
9 -COMPETÊNCIA
Tão delicada, como toda a matéria aqui abordada, é a competência para apreciar a querela nullitatis insanabilis. É pacífico o entendimento acerca do seu cabimento no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, há controvérsias sobre de quem é a competência para julgá-la.
Sugere Leonardo de Faria Beraldo11, na obra “A Relativização da Coisa Julgada que Viola a Constituição”, que aquerela nullitatis, por se tratar de matéria constitucional, seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Tal entendimento é minoritário dentre os doutrinadores tratantes do tema. Entretanto, afirma o autor supracitado, que, até uma eventual emenda constitucional, a competência para julgar a querela nullitatis é do juiz de direito.
O entendimento de que seria competente para julgar a querela nullitatis o juiz da instancia ordinária, parece-nos coerente, já que se trata de uma nova ação de conhecimento.
Discute-se também, de quem seria a competência para julgar aquelas sentenças a serem declaradas inexistentes quando proferidas pelos Tribunais. O entendimento jurisprudencial sobre esta competência aponta no sentido de que seria competente o próprio Tribunal que proferiu a sentença a ser declarada inexistente, desde que a ação seja de sua competência originária.
Este entendimento sobre a competência é compartilhado pelos Tribunais brasileiros:
“A ação de nulidade (querela nulittatis) consubstancia num meio de impugnação previsto para decisões proferidas em processos em que não houve citação ou no caso de nulidade desta, sendo cabível, portanto, in casu. A competência para seu processamento é do juízo que proferiu a decisão nula.” TJMG, processo 4482920-37.2008.8.13.0079 Relator: Des.(a) ANTÔNIO BISPO
Neste mesmo sentido pensa o TJDF:
“Processual civil – Ação Anulatória – Querela Nullitatis – Competência. A competência para o exame da alegada nulidade de citação (querela nullitatis) é do prórpio juízo por onde tramitou o feito.” APC 20070111048982 DF
Por fim, ensina-nos Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha12:
"a competência para a querela nullitatis é do juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária"
Portanto, o mais correto entendimento é  que a competência para julgar a “actio nullitatis” e declarar a inexistência da sentença é do próprio juízo onde tramitou a demanda e que proferiu a sentença inexistente, ou seja, do juízo monocrático ou do tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária.
10 - ALEGAÇÕES FINAIS
O presente estudo apresentou a querelas nullitatis insanabilis ou ação declaratória de inexistência de sentença, que com a falta de norma regulamentadora, leva-nos a entendimentos diversos, conflitantes, fazendo assim com que a matéria, apesar de ter origem remota (Direito Medieval), fique quase que no total desuso, muito em razão do desconhecimento.
Foram demonstradas, passo a passo, as possibilidades de cabimento da ação, a competência, o prazo decadencial e sua divergência com a ação rescisória.
É importante frisar que a querela nullitatis insanabilis é um eficiente instrumento processual que visa sanar vícios que seriam insanáveis quando dependentes das ações previstas no ordenamento jurídico. Sua adequação não está restrita a rol de possibilidades, ficando ela apenas condicionada a algum vício constitucional presente em qualquer momento processual e que, assim, torne a sentença inexistente.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, é uma advogada e professora universitária brasileira. É doutora, mestre e livre-docente pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde leciona Direito Processual Civil nos cursos de mestrado, doutorado, especialização (pós-lato sensu) e graduação.É membro da diretoria do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e autora de livros e artigos científicos.
KOMATSU, Roque, Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela FADUSP; Professor Doutor da Fadusp aposentado; Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Advogado no período de 1963 a 1965 e a partir de abril de 1991; Obras publicadas: A citação no direito processual civil, São Paulo: RT, 1977 e Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991.
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Informações Sobre o Autor
Guilherme Fortes Monteiro de Castro
Graduação em Direito pela Fundação Universidade de Itaúna, FUIT, Brasil; Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Argentina. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas; Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas - FGV; Advogado